Capítulo 2 (S02)

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Jen analisou mais uma vez a situação e chegou à mesma conclusão que antes:

- Vamos ter que amputar - Avisou à Töra.

O homem deitado sobre a mesa já estava no princípio da velhice, mas sua estrutura subnutrida e sua aparência imunda tornavam os traços da idade muito mais severos. Jen acabara de retirar a bala alojada em sua perna, mas a demora do homem moribundo em procurar o atendimento da Adaga havia lhe rendido uma infecção no local do ferimento, na parte superior da panturrilha.

Ele ainda estava sob o efeito da anestesia geral, Jenisson sabia que devia agir rapidamente antes que ela passasse.

- A serra - Jen ordenou.

Töra já estava suando frio do outro lado da mesa de cirurgia. Ela estava acostumada a ver pessoas morrendo logo à sua frente durante combate, mas tentar salvar a vida de alguém, principalmente de um inocente atingido por uma bala perdida, era o bastante para colocá-la em um estado de tensão exacerbado, mas ela nunca recusou ajudar alguém em necessidade, principalmente se esse alguém estivesse ferido e sofrendo... ou se esse alguém fosse Jen.

Ela esticou o braço e alcançou-lhe o instrumento. Ao contrário de Jenisson, Töra não possuía nenhum treinamento médico, mas a quantidade de vezes em que ela o ajudou havia lhe dado mais experiência do que muitos enfermeiros teriam em toda sua carreira. Um dos motivos para tanto é que ela e Jen tinham que lidar com muitas condições inusitadas e inesperadas para conseguir salvar alguém.

- Que bosta! -Jen vociferou olhando para o lado.

Quando Töra acompanhou seu olhar e se deparou com a face do paciente, ela também percebeu o que Jen vira: ele estava acordando. Provavelmente ainda não sentia a dor da cirurgia em andamento ou a percebia do que estava ocorrendo à sua volta, mas o movimento de suas pálpebras e os leves grunhidos de sua boca não os enganavam. O embrulho no estômago de Töra foi inevitável.

- Temos que fazer isso agora, senão ele vai perder muito mais do que essa perna - Instruiu Jen. - Pegue mais do anestesiante e prepare a seringa.

Töra voltou-se para a prateleira logo atrás dela o mais rápido que pôde, suas mãos trêmulas reviravam as poucas e desorganizadas prateleiras em busca do que Jen pedira, mas ela não achou nada, o que eles possuíam no estoque havia acabado.

Não era para menos, conseguir suprimentos médicos na cidade era quase impossível. Jen tinha alguns contatos que lhe repassavam partes de contrabandos, mas nunca era o bastante para manter o centro médico dos adagas plenamente estocado, pelo menos não para a quantidade de pacientes que eles atendiam diariamente. Até mesmo as instalações, um grande galpão fechado que os adagas davam seu máximo para manter higiênico, não contava com a estrutura ou com os equipamentos para um atendimento decente.

Mas Porto Tempestade possuía um escasso número de clínicas e médicos. Somado à dificuldade de se conseguir suprimentos, havia o agravante de que as clínicas necessitavam de uma segurança extremamente reforçada, pois eram constantemente alvos das tentativas das máfias e facções de exterminar de uma vez por todas um paciente ou outro que falharam em matar durante um confronto direto. Todos esse fatores tornavam os preços exorbitantes, muito além do que um simples cidadão era capaz de pagar.

Os grandes grupos criminosos possuíam clínicas particulares ou alguma espécie de convênio exclusivo com um centro médico, para tratar de seus feridos. A Adaga fazia parte dos grupos que possuíam uma clínica própria, por iniciativa de Jenisson claro, mas que fazia muito mais do que apenas salvar as vidas de seus próprios membros. Jen possuía um ideal, por isso atendia gratuitamente qualquer um que batesse em sua porta e não estivesse afiliado à nenhum tipo de organização fora da lei. Não era para menos, Jen havia se formado em uma idade extremamente precoce em medicina na universidade livre de Liz, ele era um dos melhores médicos e cirurgiões das terras fora da Coalizão.

Estilhaços em ChamasWhere stories live. Discover now