By Chance; C.D.

11. Funeral

- Foi legal a conversa com as suas amigas? - perguntou Alissa, assim que me juntei a minha família hospedeira para jantar.

Sentei-me no meu mesmo lugar de sempre, fitando-a. Megan a encarou surpresa e boquiaberta.

- Alissa, modere esse seu ciúme! - exclamou.

- Não, tudo bem, Meg. Sim, Ali, eu me diverti muito conversando com elas.

Olhei para o prato e comecei a comer. Um silêncio estranho havia pairado sob a mesa. Aquilo era estranho. Os Hunterwoods nunca ficavam quietos. Elliot sempre comentava sobre o seu dia de trabalho ou perguntava como havia sido a nossa semana. Sem os seus comentários, a mesa ficava vazia.

Engoli o macarrão com almondegas rapidamente. Quando terminei, pedi licença e disse que iria subir. Eu não estava me sentindo muito bem. A conversa com as minhas amigas havia me afetado. Eu me perguntava se eu estava agindo como a pessoa que eu costumava ser ou se eu estava me distanciando de meus princípios, tornando-me um alguém completamente desconhecido aos meus olhos.

Fechei a minha porta e resolvi ouvir as músicas mais tocadas do Spotify. Deixei Cold Water soar alto pelo quarto, enquanto eu dançava sozinha ao ritmo da música. Minutos depois, com a playlist tocando em um volume moderado o suficiente para não incomodar ninguém, ouvi uma batida em minha porta.

Alissa colocou a sua cabeça para dentro.

- Você está bem? - perguntou, com os olhos castanhos cheios de preocupação.

Por um momento, parei e a encarei.

- Você sempre foi tão estável, não é?

- O que?

Sentei-me na minha cama e desliguei o celular, acabando com o som.

- Digo, você nunca passou por uma mudança muito brusca ou já?

- Não, nunca - admitiu.

Ela se sentou ao meu lado e encarou a almofada. Então, assustada, os seus olhos encontraram os meus.

- Por acaso você está arrependida de ter se mudado?

- Claro que não! - respondi - Mas você já se sentiu como se estivesse vivendo dez dias em um só? Como se tudo estivesse passando rápido demais e você não tivesse controle da situação?

- É, eu acho que eu entendo o que você está querendo fazer.

Alissa se ajoelhou na cama, segurou as minhas mãos e olhou no fundo de meus olhos.

- Mas, Bella, você está aqui para viver. Para entrar em carros com estranhos, fazer novos amigos e conhecer novos lugares. Não é para isso que as mudanças servem?

- Sim, é exatamente para isso - disse, triste - Mas eu tenho medo de estar me afastando da pessoa que eu costumava ser. Eu era uma pessoa de tantas virtudes, sério. E ultimamente eu não tenho feito nada. Eu não escrevo mais, eu não leio mais, eu não pratico o piano...

- Porque, quando você se mudou, você deixou a menina bobinha lá no Brasil. Agora você é uma Bella forte e determinada. Você não pode ficar vivendo no passado! Essa é uma nova fase e você está se prendendo a coisas antigas.

Ela abriu os seus braços, chamando-me para um abraço. Aceitei o seu convite. De alguma forma engraçada, eu acabei com a cabeça em sua coxa e ela fez cafuné em meu cabelo. Ela estava certa. Alissa era a primeira pessoa a testemunhar a minha nova versão de mim mesma. Eu deixaria de ser Isa Spadoto e me tornaria Bella Hunterwood.

Claro que as minhas raízes sempre estariam em mim. Eu sempre falaria com meus amigos e com a minha família. Eu não precisava me mudar deles. Eu precisava mudar a mim mesma.

- Sabe do que você precisa? - disse Ali, agitada. Ela se levantou com um pulinho - De um funeral.

- Um funeral?

Aquilo não fazia sentido.

- É, um funeral. Vai no seu closet e coloque um vestido preto. Qualquer um. Só não pode ser um vestido "piriguete" - ela revirou os olhos - Aí você me encontra na piscina.

Antes que eu pudesse falar algo, ela levou os dedos aos seus lábios, ordenando que eu me calasse. Sem uma só palavra, ela deixou o quarto.

Como sempre, a minha cabeça começou a formular diversas teorias. E nenhuma delas tinha cabimento. No final, eu me cansei de jogos de adivinhação e me levantei, procurando por algo para vestir.

Acabei por escolher um vestido preto, como ela havia dito. Ele era da Forever 21 e eu o amava. Em cima, ele era justo, mas se abria embaixo, indo até acima dos joelhos. Aquele era o meu favorito. Eu não sabia se deveria arrumar o cabelo, então o deixei solto, do jeito que eu gostava. Coloquei um chinelo, apenas para caso ela me jogasse na água.

Fui exatamente até onde ela havia dito. Lá estava Alissa, completamente de preto. Havia duas rosas em sua mão. Parei ao seu lado, de frente para a piscina. Ela entregou-me uma das flores.

- Se despeça da antiga você - sussurrou.

Então era daquilo que se tratava. Respirei fundo e encarei a água, que cintilava.

- Aqui jaz Isa Spadoto - eu disse, em tom claro - Uma amiga incrível. Uma menina culta. A que seguia todas as regras. Aquela que era medrosa, que hesitava antes de tomar cada passo. Aqui jaz a menina que se rebaixava, que vivia em indecisões.

Dito aquilo, joguei minha rosa, deixando-a boiar. Então, foi a vez de Ali.

- Aqui nasce Bella Hunterwood - ela sorriu e olhou-me - Uma menina sorridente, que se veste bem, que toca piano quando quer e que ler quando o livro a interessar. Ela é corajosa, destemida e uma boa companheira. Não só para loucuras, mas para momentos difíceis também. Aqui nasce a minha nova companheira de baladas.

Ri, enquanto ela jogava a sua. Abracei-a de lado, sorrindo abertamente.

- Se sente melhor? - perguntou.

- Muito. Acredite. Era de um funeral que eu precisava.