- Mãe, que saudade. - Falei, andando até o corredor pequeno e entrando em uma das portas, onde seria o meu quarto.

- Filha, está tudo bem ? - Minha mãe me perguntou na calmaria de sempre. Me abaixei para ver o que tinha em baixo da cama de casal que tinha no canto esquerdo do quarto.

- Sim, estou me mudando. - Puxei um saco preto de debaixo da cama e desatei o nó com dificuldade.

- Por que ? E o Jason ?

Suspirei.

- Caminhos diferentes, mãe. Só isso. - Eu Falei baixo. Dentro do saco haviam alguns quadros com as bordas pretas e uns piscas - piscas. Me levantei e tirei da bolsa um lençol para colocar na cama.

- Eu sinto muito, filha.

- Eu sinto, também. - Falei, me sentando na cama com o lençol entre as pernas.

- Como vai a faculdade ? - Ela me perguntou, me fazendo estremecer.

- Hum... Ótima. - Eu disse. Eu odeio mentir pra minha mãe.

- Filha. - Ela chamou.

- Sim ?

- Eu te amo.

- Eu também te amo. Está tudo bem ? - Perguntei.

- Sim, eu preciso ir. - Ela disse rápido.

- Ok. - Falei e ela desligou o telefone. Mais uma ligação estranha pra minha coleção.

Me levantei e estiquei o lençol na cama, ele era de uma cor creme, a mesma que o cobertor. Depois de arrumar a cama, fui ver como Natalie estava se saindo na cozinha. Ela comprou uns adesivos que faziam os móveis parecerem de madeira, o que era lindo.

- Está incrível. - Eu falei me sentando na bancada.

- Está, não é mesmo ? - Ela Falou cruzando os braços e se afastando para olhar o seu próprio trabalho. - Estava falando com a sua mãe ? - Ela me perguntou, se virando pra mim.

- Sim, estava. - Falei com o olhar baixo.

- Você tem que contar pra ela, Ally.

- Eu não posso, eu sou a única filha deles e eu não quero ser uma decepção.

- Mas você já é, Ally. - Ela disse. - Me desculpa.

- Obrigado, Natalie.

- Não é isso que eu quero dizer. - Ela disse. - Você age como se o fato deles não saberem, faz com que você não tenha feito nada.

- Eu sei bem o que você quer dizer, Natalie. - Me levantei e peguei o meu sobretudo que estava em cima do sofá.

- Onde você vai ? - Ela me Perguntou.

- Eu não sei, vou dar uma volta. - Falei e fechei a porta atrás de mim. Eu não sinto que estou com raiva da Natalie, ela está certa, eu não posso mentir pra sempre, eu não posso me esconder de mim mesma, foi uma crítica construtiva, no final. Mas, eu preciso de ar, eu não posso tomar todas as decisões de uma vez só. Coloquei minhas mãos no bolso do meu sobretudo e caminhei noite a fora. As luzes dos carro, o barulho das buzinas, o cheiro e a brisa do mar. Meus cabelos voavam, tantos casais se divertindo, tantas risadas. Mas eu sei que no fundo essa é só mais uma cidade cheia de gente vazia. Com certeza, pelo menos, 50 %  dessas pessoas luta com alguma coisa dentro delas, a dor, a incerteza e mesmo assim estão sorrindo, fingindo estar felizes, apenas para não ser a preocupação de ninguém. Eu as entendo. E até gosto disso, me faz ser boa em alguma coisa. Cada alma aqui, ou em qualquer outro lugar, está ferida. Sempre estão. O medo e os rótulos da sociedade causam isso.

FLASHBACK

Você é forte, Alison. É como você disse, estava no lugar errado, na hora errada. Você não tinha que me contar nada, mas mesmo assim o fez, por que você é forte, brava e tem que se orgulhar disso. Por que eu me orgulho. - Ele disse e aproximou mais seu rosto do meu, nossas respirações se misturando, eu já não conseguia distinguir nada a não ser o reflexo de seus olhos. - Você é mais especial do que imagina. - Ele disse e pude sentir seus lábios nos meus, suas mãos trouxeram minha cintura para si, aquilo parecia tão certo.

Foi o que ele disse, todas as palavras doces, toda a sua confiança em mim. O seu toque tão sútil. Tudo parecia certo, mas era errado. Mais que errado, era inaceitável. Por inúmeras razões e eu sei, no fundo eu sei, que eu não estou preparada para as consequências.

Apenas dois vultos pretos saindo pelo final do beco, foi tudo o que eu vi antes de ver a mulher loira coberta pelo sangue, deitada no chão.

A mulher de vermelho estava totalmente ensanguentada, seus ferimentos eram fortes e profundos. Um tiro de bala em seu pulmão, coloquei minha mão em seu pulso, ela estava morta. Sem respiração, sem batimentos, sem vida.

                                 ⚛

A sala branca, estava intensamente perturbadora. A cadeira estava fria. Meus batimentos acelerados, minha maquiagem borrada, meu sobretudo coberto por sangue, minha mãos da mesma forma, meus cabelos estavam desgrenhados, eu estava tremendo, eu podia sentir o sangue quente em minhas veias, cada gota de água que a Natalie colocava no copo, os movimentos do maxilar de Jason enquanto falava com um policial. Meus dedos apertavam o meu pulso, eu estava respirando, eu estava viva e ela, não. Minhas lágrimas escorriam pelo meu rosto caindo no chão, até o barulho do impacto eu podia escutar, eu podia ver tudo e não me concentrar em nada.

- Alison, vai ficar tudo bem. - Natalie disse e me entregou o copo com uma mão, me acariciando com a outra. Eu não quero nada. Eu não toquei no copo, o meu ponto fixo, atrás da pilastra branca, no meio da sala, com uma listra no meio, de cor acinzentada, me entendia melhor e era bem mais interessante. - Você precisa se acalmar, meu amor.

- Eles a liberaram. - Jason disse à Natalie. - Você não devia ter falado nada, sem a presença de um advogado, ou sei lá, Alison. Que merda. - Ele disse para mim. Não o olhei.

- Para Jason, ela já teve o bastante por hoje. - Natalie disse, tirando a blusa de frio que vestia. Tirou meu sobretudo, sujo e me vestiu com a sua blusa.

- Vamos embora. - Jason disse e saiu andando na frente.

Eu não fui, eu parei no meio da sala. Natalie voltou, assim que não me viu atrás dela.

- Vamos. - Ela disse pegando a minha mão.

- Obrigado por estar aqui, Nath. Sempre que eu preciso de você. Me desculpa por ter saído e por não ter te ouvido. Se eu tivesse aceitado o que você disse e ficado, nada disso teria acontecido. - Eu falei, lhe abraçando forte.

- Não, Ally. Nada disso mudaria. As coisas acontecem do jeito que tem que acontecer. - Ela disse e afagou meus cabelos. - Vamos, está frio aqui. - Pegou minha mão e me guiou até o carro.

- Deite - se, amanhã tudo vai melhorar. - Nath disse quando entramos no quarto.

- Vai ficar tudo bem, Ally. - Jason disse me dando um beijo na testa. - Me desculpe por ter me estressado.

- Tudo bem. - Eu falei, me cobrindo. Jason apagou a luz e fechou a porta.

Mesmo depois de três horas que eu havia deitado, que Natalie havia ido embora, que Jason estava na sala, provavelmente se embebedando, eu não havia conseguido pegar no sono. A letra da música de Jason era deprimente, ele precisa entender que ele não é o único que está sofrendo.

"Estou correndo contra o tempo para segurá-la afim
Correndo contra o tempo para ser o seu homem
Eu só estou perdido nesse momento
Eu tenho zonzeado
Você sabe que poderia ter dado muito mais para você
Qualquer coisa que você quissesse
Eu poderia ter dado muito mais
Qualquer coisa que você quissesse ..."

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