PARTE 1: Capítulo XV

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A BMW Sedan de cor preta era macia e ronronava como um gatinho. Gabriel regulou a temperatura do ar-condicionado para exatos vinte e dois graus como o Jonas havia lhe ordenado. O carro deslizava sobre o caminho de pedras que levava até a rampa que subia ao interior da larga varanda defendida por pilastras arredondadas como as de um templo grego.

Joaquim entrou no carro desajeitado porque era grande demais e olhou para Gabriel com aquele sorriso largo.

— O doutor já vem, Gabriel. Está acertando os últimos detalhes.

— Ok.

— Bom, não preciso te dizer que não é pra correr. No entanto, não dirija como uma senhora. Cuidado com os quebra-molas. Certo? — O grande segurança ao mesmo tempo em que falava tentava ajustar o banco para ter mais espaço percebendo com infelicidade que o acento já havia se afastado ao máximo possível. — Vejo que regulou o ar-condicionado na temperatura certa. Isso é bom!

— Sim, o seu Jonas já tinha me falado. — Gabriel pareceu contente com ter acertado aquele detalhe.

— Aliás, não se preocupe em abrir a porta pra ele. O doutor diz que "só se abre portas para mulheres, velhos e doentes".

"Então era esse o motivo", pensou Gabriel.

A porta se abriu e ele viu aquela cabeça calva e branca aparecer no retrovisor.

— Vamos? — O doutor bateu a porta do carro que logo começou a andar.

As habilidades de Gabriel como motorista eram formidáveis e naquele carro tudo ficou ainda mais fácil. Tomava cuidado para passar nos quebra-molas com precisão para evitar os solavancos.

Foi então que em poucos minutos de viagem se viram em frente ao prédio majestoso no centro da cidade. Já eram quase seis da tarde, e Gabriel se perguntou quem ia ao banco a esta hora.

— Joaquim, minha mente me trai, olha o que eu trouxe para cá? — Disse o doutor exibindo uma bela pistola Magnum Desert Eagle de calibre 45, cromada e com cabo de madeira.

— O senhor quer que eu fale com o segurança do banco? — Perguntou Joaquim.

— Não, não é necessário. Eu deixo a arma aqui. A não ser que o Gabriel se importe. Algum problema?

— Não, senhor.

O doutor saiu do carro, Joaquim também. No entanto, antes de fechar a porta o segurança botou a cabeça de volta para dentro do carro novamente:

— Mantenha o motor ligado e o ar-condicionado também. A gente não vai demorar, ok?

— Mas e se algum guarda decidir me multar? Estou em fila dupla! — Gabriel pensava mesmo era no verdadeiro canhão que estava no banco de trás.

— A última vez que um guarda multou esse carro levou uma boa bronca de seu superior — explicou Joaquim com uma piscadela de olho. — Relaxe, escute uma música. Em alguns minutos a gente volta.

Quando o segurança do banco viu o doutor através do vidro reforçando tratou logo de liberar a porta giratória.

Gabriel olhou novamente para a pistola. Ele era um homem reto, mas sentiu como se um espírito maligno o tentasse com a vontade de pegar a arma e examiná-la. Estava bem conservada, aparentemente havia sido polida. O detalhe de madeira no cabo estava extremamente conservado, o que dizia que aquela belezinha não tinha sido muito usada.

Sintonizou na estação de rádio evangélica que naquele momento tocava uma música instrumental, o que não o ajudou a relaxar. Gabriel tentou imaginar o doutor flagrando-o com a arma na mão e ele perdendo o emprego. Não adiantou.

— E com vocês, no programa "Apreciando Música Clássica" Edvard Grieg e o final de sua suíte "Peer Gynt", a ópera de número 46: "In The Hall of Mountain King" ou, em português, na "Gruta do Rei da Montanha", composta para o texto norueguês de Henrik Ibsen. — Disse o locutor do rádio, e após o soar de uma nota longa a música instrumental suave e repetitiva começou a tocar.

As lembranças da adolescência suprimiram a imaginação negativa de Gabriel. Lembrava do peso da espingarda de seu pai, que os levava para caçar um domingo por mês. Pensou no peso daquele trinta e oito que também usavam, e como haviam aprendido a atirar. Era como se ele pudesse sentir o olhar da paca na mata, um animal inocente que nem podia imaginar que estava aguardando pela morte. Quando percebeu, Gabriel já estava com a pistola em mãos.

O peso da arma, o tato do metal.

A sensação de poder.

O tempo ficou mais devagar:

Sua alma gelou quando viu o doutor na porta giratória, parecia ter ficado preso lá. O segurança do banco estava enrolado tentando liberá-lo, Joaquim parecia tentar coagi-lo a acelerar o processo, mas antes de largar a pistola Gabriel viu aquela cena que por anos ficaria gravada na memória:

— A música mantém o ritmo, mas aos poucos os instrumentos começam a variar os acordes, agora há uma distinção clara de vozes na apresentação. — Disse o locutor do rádio.

Um homem vinha pela calçada. Gabriel sabia por instinto quando um alguém estava armado: o olhar, a pose, a forma como caminha com aquela confiança de quem tem os testículos de um touro. Sabia que aquele jovem sacaria uma arma da calça. Então Gabriel agiu sem pensar, afinal de contas não havia tempo. Saiu do carro pelo lado oposto para ter o veículo como cobertura.

— E agora o ritmo da música lentamente se acelera. — Continuou o locutor.

E o mundo continuava em câmera lenta. Gabriel era um cristão, ele não mataria alguém em vão. O atirador olhou para ele assustado. Gabriel só puxou o gatilho quando teve certeza que se tratava de um revólver na mão do homem.

— É então que com uma virada magistral a orquestra simplesmente explode, entoando o tema principal da obra que antes era repetido timidamente.

O primeiro tiro com uma arma que você nunca usou sempre erra o alvo. O bandido atirou de volta. O típico trinta e oito na mão do jovem negro cospiu fogo.

A não ser que você seja um atirador experiente que treina todo dia, a primeira bala vai sempre fora do alvo e era por isso que Gabriel disparava sempre três. Uma era de ajuste, calculava a precisão da arma, assim como o empuxo do recuo.

E o assassino atirou, uma, duas, três vezes. Gabriel parou de contar e esperou pelo silêncio.

— O tambor nesse momento delimita o ritmo da música, indicando as pausas dramáticas na composição. — Descreve o locutor.

Bang! Bang!

O segundo tiro é para "fazer o serviço": acerta o peito do assassino, um homem negro e magro. O revólver dele já estava voando no ar, o bandido havia perdido o equilíbrio e flutuava esperando o terceiro disparo: que era para conferir.

Acertou a cabeça.

Uma bala de quarenta e cinco faz um estrago teatral. É como jogar uma melancia do segundo andar. Os miolos do afortunado assassino pintaram a calçada de uma forma que Gabriel julgou ser quase impossível de limpar completamente.

O corpo cai inerte no chão, a ópera se encerra:

— Edvard Grieg e o final de sua suíte "Peer Gynt", a ópera de número 46: "In The Hall of Mountain King". Agora vamos para os comerciais.

ILLUMINATUS: O Touro de Bronze (amostra)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora