Livro 1: Capítulo III

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Desde pequeno Gabriel sempre gostou de carros, por isso não foi surpresa alguma ter passado boa parte da vida sendo um motorista. Nesta época trabalhava para a SHIELD uma empresa de segurança. Eles também tinham uma divisão de luxo que fornecia serviço de chofer e segurança privada para alguns dos magnatas da cidade. Mas Gabriel apenas levava as equipes de um lado pro outro de van e às vezes buscava o patrão em casa. Raramente era escalado pro serviço de chofer, que gostava mais.

Apesar de ser uma cidade do interior do estado do Rio de Janeiro, Araúna possuía uma classe média consolidada e uma classe rica que tinha até mesmo sua própria região da cidade devido aos funcionários dos cargos mais altos da Fábrica de Trens que movimentava a economia da cidade. Além disso, muitos milionários da capital tinham sítios ou mesmo fazendas nos arredores. Portanto, não era raro ver uma BMW ou um Porsche rodando pelas ruas de vez em quando, contrastando com a pobreza do lugar.

Mas naquele momento Gabriel era o passageiro de um Volvo com capacidade para 65 passageiros. Ele puxou a cordinha que emitiu o sinal ao motorista que parou no próximo ponto. Devidamente uniformizado com a camisa social branca que exibia o pequeno escudo vermelho bordado que carregava a inscrição com o nome da empresa, Gabriel desceu do ônibus e se dirigiu até um prédio modesto de uma rua paralela à avenida principal da cidade onde era a sede da empresa. Quando subiu as escadas se viu diante da recepção onde uma senhora de meia idade olhou por cima de seus óculos:

— Bom dia, Gabriel. O seu Jonas quer falar com você.

Ele entrou naquela que era a única sala com ar-condicionado do prédio. O patrão estava lá sentado com aquele cabelo grisalho e a barriga que criava um relevo em sua camisa social. O lugar tinha um cheiro de suor seco e poeira que parecia estar impregnado, por sorte Gabriel sabia que seu olfato ia se acostumar com aquele odor em apenas alguns minutos, havia visto isso na televisão.

O patrão dobrou o jornal e o colocou em cima da mesa.

— Senta aí, Gabriel — Jonas apontou para aquela cadeira velha de escritório cuja almofada já estava tão cansada que se podia sentir a madeira por baixo dela. O chefe o encarou como se o avaliasse, assegurando-se de que não ia desistir de falar. — Bom. Você está com a gente já tem uns dois anos e sei que trabalhava de motorista na prefeitura antes disso. Não é mesmo?

— Exatamente. Fui motorista do prefeito por alguns meses — Gabriel tinha a cabeça baixa, como se evitasse olhar para o homem diante dele.

— De fato. — Jonas assentiu com a cabeça. — Você nunca me deu nenhum problema, pelo menos não que eu saiba ou me lembre. Por isso quero saber se posso confiar em você pra um trabalho muito importante.

Gabriel sabia que esse dia ia chegar.

Corria uma fofoca pelos corredores da empresa que havia um certo tipo de esquema rolando ali dentro. Algo envolvendo o transporte de uma carga ilegal? Gabriel nunca soube, mas também nunca quis saber. Tinha aprendido que no trabalho você tem que manter os ouvidos atentos e, sobretudo, nunca fazer perguntas demais. Mas o braço de satanás é longo, e mesmo Gabriel tendo fugido do mundo do crime há anos, uma oportunidade sempre aparecia. Mil pensamentos atravessaram sua mente.

— Que trabalho seria esse, seu Jonas?

O patrão coçou o seu queixo, hesitante.

— Bom, você sabe, o Rosemildo, um dos nossos "motoristas de luxo", estava no hospital, correto? Teve um derrame.

— Sim, eu me lembro.

— Pois então. Ele morreu.

— Que Deus o tenha — Gabriel arregalou os olhos, mas não olhou para o patrão.

— Sim, uma história triste. — Jonas queria apressar o assunto, parecia irritado. — O fato é que eu tenho esse cliente, um dos mais importantes. A verdade é - que isso não saia dessa sala - é que a "divisão de luxo" dessa empresa existe quase só por causa dele. E o cara é enjoado. Já recusou dois motoristas desde que o seu Rosemildo foi pro hospital. E ele precisa de um motorista hoje.

— Vai ser um prazer, senhor. — Gabriel finalmente olhou nos olhos de Jonas.

— Bom, é melhor você usar uma roupa melhor. Mas nada de uniforme. Aliás, bico calado. Ele gosta de puxar assunto, mas você não precisa se estender. Respostas curtas do tipo "sim" ou "não", mas sem ser grosso, apenas não invente assunto e deixe ele falar. Nunca abra a porta pra ele, mas também não se esqueça de deixar de abrir a porta quando uma mulher for entrar no carro. — Jonas parecia extremamente preocupado.

— Eu tenho um terno que uso pra ir na igreja e... — Começou Gabriel, mas foi interrompido.

— Aliás, o ar-condicionado tem que ser regulado para exatos vinte e dois graus.

— Sim, senhor.

— Gabriel, é sério. Você está prestando atenção nisso?

— Sim, seu Jonas. Claro. Já dirigi pro prefeito. Eu sei agradar um passageiro. — Gabriel sorriu, estava à vontade agora.

— Sério, você não pode me ferrar nessa. É mesmo muito importante que esse cara goste do teu trabalho.

— Eu garanto que vou dar o melhor de mim, senhor.

— Isso é o que me preocupa. Será que o seu melhor vai ser o suficiente?

ILLUMINATUS: O Touro de Bronze (amostra)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora