PARTE 1: Capítulo VI

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— Eu posso te esperar aqui na esquina? É bom que eu não vou precisar manobrar a van ou descer de ré — mentiu Marcos, o motorista. A verdade é que ele tinha medo de entrar naquele beco, coisa que Gabriel percebeu na hora.

— Não precisa ter medo, aqui no meu bairro é tranquilo, exceto em alguns lugares, é claro.

— Não foi o que eu ouvi dizer daqui do bairro Vista Bela. — Confessou Marcos.

— Eu também ouvi falar a mesma coisa lá de onde você mora, Marcos. O tal do Paraíso, não é? E aposto que não é tão ruim assim.

— Bom, tem certos lugares em que o Paraíso é um verdadeiro "inferno", crente. Mas até que no geral é tranquilo. — Marcos riu sozinho da própria piada.

Gabriel decidiu filosofar:

— Já parou pra pensar nisso? Os nomes dos bairros geralmente são o inverso da realidade deles.

— Como assim?

— O seu bairro se chama "Paraíso" e tem lugares em que é um inferno. Aqui se chama "Vista Bela" e dá de cara para a traseira da fábrica de trens, ou seja, aquele rio fedorento que passa por aqui.

— Bom, então eu já posso imaginar a conta bancária de quem mora na "Vila Rica" — Completou Marcos e agora os dois compartilharam uma gargalhada.

— Ah, quer saber? Espera aí então. Não tô tão longe de casa assim. Vou descer aqui mesmo.

— Valeu! — Marcos ficou aliviado.

Gabriel subiu a pequena ladeira somente para encontrar Lílian surpresa na cozinha, ainda estudando.

— Em casa tão cedo? — Lílian levantou os olhos de sua apostila.

— Vim aqui trocar de roupa. — Gabriel começou a vestir a calça social preta no meio da cozinha.

— Vai colocar o terno?

— É.

— Pra quê?

— Bancar o chofer pra um tal "doutor" aí. É uma longa história.

— Boa sorte, amor. — Ela perdeu o interesse.

— Obrigado! Mas quem tem Deus não precisa de sorte, querida. — Orou Gabriel, Lílian revirou os olhos. — Não faça essa cara, ele também vai estar contigo na tua entrevista hoje!

Ele começou a colocar a gravata.

— Falando em "Deus", você não sabe quem acabou de sair daqui há alguns minutos. — Lílian finalmente largou a apostila.

— Quem?

— Maria, a mulher do pastor. Ela quer que eu vá lá na casa dela tomar um café.

— Que bom!

— Bom? Isso me cheira a furada, Gabriel. Não gosto da ideia.

— Você aceitou o convite?

— Claro.

— Então é melhor ir. Não é?

— Eu vou. Só não gosto da ideia.

— Dê uma chance a ela. Se não gostar, da próxima apenas recuse. — Gabriel agora colocava o blazer.

Ela ficou em silêncio.

— É, mas aí você vai me encher o saco se eu não for. Por que é "a mulher do pastor".

— Claro que não. Nunca vou te obrigar a fazer nada que não queira. Muito menos manter amizade com alguém que não goste. Enfim. — Ele deu um beijo na testa dela. — Fique com Deus, preciso ir!

— Amém — ela respondeu com desânimo.

ILLUMINATUS: O Touro de Bronze (amostra)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora