Livro 1: Capítulo IX

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A van foi se encaminhando para a parte da cidade que Gabriel conhecia menos, a zona leste, onde moravam as pessoas de verdade. Lá o ônibus não chegava, talvez para evitar a presença dos assalariados ou porque talvez as empresas de ônibus tinham consciência que aqueles moradores não precisavam de seus serviços.

O bairro Comendador Gonçalves era relativamente perto do centro. O bairro, que só possuía uma rua pública, era ladeado por entradas de condomínios de luxo, cada um com sua guarita e cancela. Ao final da rua, uma praça cujo contorno permitia o retorno pelo mesmo caminho. Um dos condomínios se destacava dos demais porque era completamente cercado de muros de concreto e o único a possuir um intimidador portão.

O guarda armado se aproximou do motorista antes mesmo que o veículo terminasse de parar.

— Bom dia, senhor.

— Bom dia, amigo — respondeu Marcos, o motorista da van. — A gente tá indo na casa do doutor Bragança, esse rapaz aqui do meu lado vai ser o motorista dele hoje e--

— OK — disse o segurança antes que Marcos completasse a frase. Sacou um rádio do blazer e começou a falar olhando para outro lado. — Aqui, tem um rapaz com o outro motorista do doutor Bragança.

Alguém respondeu no rádio em meio a chiados.

Marcos olhou para Gabriel fazendo careta.

— Então, o motorista pode subir, mas a van não vai entrar.

— Como assim? — Marcos não parecia chateado.

— Sinto muito. É o protocolo. — O guarda retornou a guarita e falou alguma coisa com um outro homem que lá havia.

— Não esquenta Marcos, é bom que eu estique as pernas — Gabriel deu um sorriso humilde.

Ele então se aproximou de uma pequena porta para pedestres ao lado da guarita. Um motor elétrico chiou e se pôde passar. Foram cerca de dez minutos de caminhada passando por casas com gramados verdes que eram maiores que um quarteirão do bairro Vista Bela. Algumas possuíam até chafarizes e Gabriel se deu conta de quão injusta era a sociedade.

Apesar de estarem entre muros superprotegidos não haviam nada mais do que cercas vivas baixas separando aquelas verdadeiras mansões. A mensagem era clara, pensou Gabriel, "somos iguais entre nós, mas diferentes do resto do mundo".

Ele parou diante daquela casa branca que já haviam lhe descrito anteriormente. Parecia um templo grego com imponentes colunas na frente que protegiam uma larga varanda na qual poderia passar confortavelmente um carro. Gabriel julgou que a intenção fosse que os moradores pudessem embarcar em algum veículo sem sair ao sol ou se molhar durante uma chuva.

Um grande homem negro começou a trilhar o caminho de pedra em meio ao canteiro de grama vindo na direção de Gabriel. Ele usava óculos escuros e tinha um semblante mal-encarado.

— Você deve ser o Gabriel, não é? O novo motorista? Puxa, desculpe te fazer andar até aqui, se você tivesse esperado um minuto o guarda da guarita tinha te avisado que eu estava descendo pra te buscar. Sinto muito. — O segurança apertou a mão de Gabriel com muita força o deixando desconsertado.

— Que isso, amigo. Até que a caminhada foi agradável. — Gabriel sentia a dor de ter a mão esmagada pelo gigante de voz gentil diante dele.

— É, deve ter reparado nesse cenário, né? Antes de trabalhar aqui eu achava que casas sem muro só existiam em filmes americanos.

Gabriel sorriu.

— Aliás, meu nome é Joaquim — completou.

— É um prazer.

— Gabriel, eu devo dizer que você foi muito bem recomendado.

— É mesmo? Que bom!

— Enfim, vá até a garagem e já adiante o seu trabalho, sabe? Ajustando o banco, os retrovisores e essas coisas de motorista. É só seguir o caminho que dá a volta na casa pela esquerda — ele disse metendo aquela mão gigante no bolso interno do blazer. — Aqui estão as chaves e o documento. O alarme redondinho é do carro, e o quadrado com um botão só é o da garagem.

— Então eu acho que já vou indo.

— Ah, toma aqui — Joaquim enfiou a mão no bolso da calça. — A hora que for pra você vir eu vou te chamar pelo rádio. Se precisar de alguma coisa pode me chamar, já está na frequência certa. É só apertar o botão.

Então Gabriel seguiu pelo caminho que Joaquim havia indicado. Apertou o grande botão do controle remoto redondo e a porta da garagem se abriu automaticamente revelando uma BMW Sedan de cor preta.

ILLUMINATUS: O Touro de Bronze (amostra)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora