Livro 1: Capítulo XI

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Lílian tocou a campainha da casa de Maria. Estava com um tailleur que a deixava com um ar responsável. Era uma mulher decidida, às vezes cabeça-dura. Mas quando botava aquela roupa ficava impossível.

— Lílian! Que bom que você veio, entre — Maria abriu a porta com um sorriso de mármore.

Ao passar pela porta o cheiro de café logo invadiu as narinas de Lílian.

— O cheiro parece bom.

— Ah, já trago um pouco pra você! — Maria que logo correu para servir o café. As duas se sentaram à mesa.

— Então você tem uma entrevista de emprego hoje, não é? — A esposa do pastor tinha acabado de levar à boca a xícara de café com seu mindinho levantado.

Lílian apenas observou o gesto brega, e teve que se concentrar para responder sem chacota:

— É, daqui há pouco. Me perdoe se eu não puder ficar muito.

— Entendo. — Maria repousou a xícara sobre a mesa. — Bom, sirva-se de alguns biscoitos.

— Obrigado, eu almocei agora há pouco e eu não quero sujar os dentes pra entrevista, sabe?

— É, agora você vai trabalhar em dobro, né?

— Como assim?

— Dar conta das tarefas de casa e do trabalho ao mesmo tempo, né?

— O Gabriel vai me ajudar bastante. Ele é um homem "prendado".

— É, vocês são um casal bem moderno, não? — Maria parecia desmerecer sua interlocutora nessa frase.

Lílian apenas sorriu, e aquilo não era bom sinal, pois significava que ela tinha pensado algo que preferiu não falar. No entanto, o problema é que ela não era muito boa em fazer isso por mais de cinco segundos:

— Então, Maria, você é dona de casa? Não é?

— Sim. Aliás, dona de casa e mãe: a profissão mais importante que uma mulher pode ter! — Maria inflou seu peito para falar.

— Profissão?

— É, palavra ruim. Eu diria que é um dom. Você não pensa em ter filhos?

— Um dia, quem sabe, mas não tão cedo. Com essa economia? Eu e o Gabriel ainda estamos pagando a casa que compramos. E você já viu a fortuna que custa criar uma criança hoje em dia? É creche ou babá, é escola.

— Eu acho que essa coisa de babá é um erro. Creche também, acho que a mulher deve cuidar de seus filhos, ser suporte para o homem.

Lílian sorriu novamente.

— Sabe? — Recomeçou Maria. — Por mais moderno que seu marido pareça ser, não se engane. Homens são todos iguais. Eles querem casar com uma mulher que faça uma boa comida e cuide de seus filhos. Não caia nessa ilusão de que ele vai te ajudar a cuidar da casa ou pagar uma creche. Escute a voz da experiência, porque sou casada há quase dezessete anos e te digo que no começo o Adélio até dava faxina na casa, cozinhava de vez em quando, entre outras coisas. Hoje em dia nem se levanta do sofá pra pegar um copo d'água na cozinha.

— Mas eu tenho certeza que você sempre está lá pra levar pra ele, não é? — Lílian não conteve o deboche.

— Uma mulher tem que agradar o seu --

— Olha, se foi pra isso que você me chamou aqui, Maria, eu sinto muito, mas você foi infeliz. Eu nunca vou ficar dentro de casa e ter que implorar dinheiro pro meu marido até pra comprar absorvente. Eu não sou dessa época pré-histórica da qual você parece ter saído.

— Você é muito, muito jovem. Tem a impressão errada das coisas. Espera só até você começar a ter filhos.

— Eu vou ter filhos quando eu quiser e "se" eu quiser. E pode apostar que quando isso acontecer, se acontecer, eu vou ter dinheiro pra pagar creche, empregada e o que for preciso sem mendigar com ninguém!

— Mendigar? Eu aposto que seu marido faria essas coisas com prazer. Não é esmola é o dever dele.

— Acho que nós temos visões muito diferentes sobre a vida, Maria. — Disse Lílian e um silêncio constrangedor se fez. — Bom, de qualquer forma, eu disse que podia ficar pouco, lembra? Eu preciso pegar um ônibus.

— Que pena. Por que eu acho que essa conversa vai longe. Volte outro dia! — Maria esculpiu novamente um sorriso sem graça.

— Sinceramente, Maria? Pra mim essa conversa já deu o que tinha que dar. — Lílian pontuou. Maria arregalou os olhos. — O café estava ótimo. Sinto muito, mas eu tenho que ir. Sinto mesmo. A gente se vê na igreja, OK?

— Certo — Maria refez o sorriso sem graça. — Mas, por favor, leve em consideração o que eu te disse hoje, eu tenho certeza que Deus vai te mostrar no momento certo que o que você ouviu foram palavras de sabedoria. Vá por mim!

Lílian sorriu.

ILLUMINATUS: O Touro de Bronze (amostra)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora