Capítulo 15 - O Filho Pródigo I/II

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Seus pais, pessoas humildes, nasceram e morreram por aquelas terras contraindo dívidas de seus avós. Coagido a viver naquela prisão invisível feito a imitação de uma vida comum, Nazareno sentia que havia algo de errado, injusto. Bastava aquela imagem rechonchuda e de bochechas rosadas pelo sol surgir que seus sonhos escapavam entre os dedos e a aroeira cantava em suas pernas. Golpe atrás de golpe até sua carne grossa sangrar. Era uma sensação de agonia constante, impedindo seus movimentos. Uma dormência total.

— Seu problema é pessoal, deixe minha família em paz, desgraçado! — dando um salto no tempo lembrou-se dos berros desesperados do Coronel.

— Desgraçado? É assim que vai tratar um enviado do patrãozinho? — disse um jovem Salvador Lavezzo antes de chutá-lo na altura das costelas. — Olha pra trás e resolve com ele.

Entrando na sala à passos vagarosos, quase desconfiados, por um momento Nazareno riu da maneira como aquele homem cismou de chamá-lo. Feliz como nunca havia estado, em posse de sua primeira arma de fogo, Nazareno encarou os olhos assustados e suplicantes do Coronel. Diante do canhão ali estava o homem que havia matado seus pais sem remorso algum. O mesmo homem que havia lhe privado de todo o amor de uma família ao jorrar o imaculado sangue de sua mãe e humilhar seu pai cortando-lhe os culhões antes de arrastá-lo pela cidade. Seu maior pesadelo agora se limitava a um velho cretino com a cara arrebentada e que de tão abatido não tinha um pingo de sangue nos lábios.

— Deixe minha família em paz... — à mercê da vontade da criança que tanto maltratou, Coronel não acreditava em tão miserável fim, ainda mais, nas mãos tão pequenas.

O tremor das mãos atrapalhava o manuseio da pistola. O metal pendia de cima para baixo, enquanto, segurando a coronha, Nazareno o encarava num misto de ódio e pavor. Enfim o sangue tornou a circular sem seu corpo e no exato momento em que tocou o gatilho, antes de imprimir a força necessária, ouviu um som. Ao seu lado, escondido embaixo da mesa do corredor, havia um menino, uns cinco anos mais novo, encostado na parede. Ele estava chorando, podia ver seus lábios tremerem de pavor.

— Seu problema é comigo, capeta! — berrou Tião.

O filho mais novo do Coronel tentava lhe dizer algo, porém não emitiu som algum após o disparo.

Os olhos da criança morta debulhavam-se em lágrimas e sangue. Nazareno assustou-se com a explosão, porém, estendeu novamente o revólver calibre 380, desta vez em direção ao Coronel. Uma lágrima sofrida desenhou o rosto daquele homem tão temido que, depois do segundo dedilhar, teve sua cabeça desmanchada.

De pernas bambas, coberto de Coronel dos pés à cabeça, Nazareno largou o revólver sobre o assoalho e tentou chamar por Salvador, mas a língua inchada enrolou-se dentro da garganta. Confuso, sem saber para onde ir ou que fazer, deu dois passos trôpegos em direção à sala quando, tirando-o daquela cena horrível, recebeu um abraço.

— Muito bem, patrãozinho— erguido aos céus como um vencedor, Salvador o pôs sobre os ombros. Nada fez além de sorrir. — Esse é o seu batismo de fogo.

***

Doze anos mais tarde, o mundo se pôs a girar. Antes conhecido por sua valentia, Nazareno era um talento lapidado pelos Amigos durante os anos em que estivera sob a tutela de Salvador Lavezzo. Peça rara, gostava de ser cruel ao ponto de encarar a morte de frente e driblá-la, entretanto, caíra no limbo feito um cão aguardando pelo sacrifício. Seu destino não poderia ser outro que não morrer pelas próprias armas que tanto disparou.

Que merda foi essa!? — contorcendo-se de dor, disse num esgar seco fincou os dedos no assoalho quando, libertando-o da onda, escutou a tão esperada ligação.

— Boa noite, Nazareno — disse a rouca voz.

Seje direto, De Creta — Nazareno com sofreguidão equilibrava o aparelho.

— Sua encomenda já chegou? — foi direto ao assunto.

Desdi onti — Nazareno disfarçou a voz lenta e espaçada.

— Perfeito, meu rapaz. A partir de agora você é o Zero. — comentou Francesco.

que porra é essa de Zero, hômi? — Nazareno reclamou, visivelmente contrariado. — Eu num sô lixo não.

— Acalme-se, garoto. Você é o Zero porque depois do serviço será invisível. É o homem que vai zerar o número de testemunhas e nos deixar a par de todos os acontecimentos. — disse Francesco após uma risada.

— Se você tá dizendo... — disse Nazareno, embora ainda não estivesse totalmente convencido — Siga com a prosa.

—A missão é simples, mas acho melhor repassá-la — aguardou pela resposta que não veio e prosseguiu. — Como o combinado, o Número Quatro lhe dará cobertura na entrada leste do condomínio. Em seguida, repasse o carro que lhe será entregue para o Número Um no lugar indicado. Caso haja alguma falha no meio do caminho, dê cabo das testemunhas e vá atrás do prêmio — deu uma breve pausa antes de continuar. — Pense bem e dê tudo de si, pois se conseguir lograr êxito reassumirá sua vida.

— Babaca mitido a genti — desabafou após desligar o aparelho enquanto buscava entender o que significava "dobrar" êxito. — Ou seja, lá que porra esse babaca falou.

Permitiu um momento de silêncio para que a dor se acomodasse. Sentia falta da época em que a crueldade do homem era medida pelo tamanho do seu espírito, assim como dos velhos amigos e o cheiro da pólvora queimando a cada missão. Lembranças de uma época em que não existia o medo de morrer. Ou morreria na bala como herói, ou na miséria, como agora, relegado ao anonimato de uma comunidade qualquer.

Os olhos de Nazareno faiscavam a cada recordação dos  Lavezzo. Ainda deitado sobre chão de cimento queimado, retomando suas funções motoras, Nazareno engatinhou em direção ao terno e à chave do seu bem mais precioso que, estacionado ao lado de fora, lhe daria a oportunidade de reencontrar seu "amado pai". Francesco poderia prometer-lhe o mundo inteiro, mesmo assim, acima de qualquer missão, só desejava devolver soco por soco a humilhação passada.


Bella Mafia - Dinheiro se lava com Sangueحيث تعيش القصص. اكتشف الآن