Acomodações

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Eu estava ali, parada, com tantas malas nas mãos de frente para um prédio alto e cheio de alguns grafites, não podia negar de que desde quando desci no aeroporto, ficava de boca aberta com tantas coisas belas que avistava no país organizado.
O vento frio bateu forte em minha pele, o que fez meu cachecol vermelho começar a voar junto com meu comprido cabelo castanho e bagunçado. Ajeito o óculos nos olhos quando um homem alto e magro pega gentilmente as malas de minhas mãos para levar até o meu novo "Apartamento".
- Obrigado senhor. - Dou um sorriso ao notar que ele tinha percebido o meu sotaque diferente. Estudei por muito tempo inglês, mas como não tinha dinheiro suficiente para  pagar um professor, aprendi por conta própria, o que já era de costume eu fazer em quase tudo na minha vida.
Meu pai era um traficante que morreu em guerra com policiais, minha mãe era uma mulher que nunca quis saber de mim, por fim fui criada por um casal de idosos que me deram a educação necessária para me manter na vida.  Sofri muita descriminação por conta da minha família, mas realmente nunca liguei, sempre mantive meu bom pensamento em relação a tudo, e me esforcei aos sufocos para ganhar essa bolsa de economia em Harvard. Para um conhecimento, não é preciso estrutura, mas sim a força, a vontade, a busca e o interesse para entender, compreender e por fim ser uma pessoa inteligente e sussedida da vida.
Suspiro.
Com um par de alltar rosa fazendo um som ensurdecedor pelo salão do prédio vazio e silencioso eu caminhava em direção ao elevador, espero que eu não vá parar no último andar pois um de meus maiores traumas é a altura, perdendo apenas para a minha síndrome de pânico do escuro.
No elevador eu olhei novamente para um dos únicos funcionarios do lugar, eu podia ter falado para ele dar um sorriso naquele rosto passado, mas eu não sabia de seus problemas então preferi ficar no silêncio.
Finalmente a porta se abriu. Andar 3.  Estranho pois não precisei falar com ninguém na recepção, muito menos dizer o meu nome. O homem estendeu uma mão para mim, eram as chaves. Eu peguei com desconfiança, isso é estranho.
-Sr Luanna, seus país adotivos nos informaram sobre você. - O cara falou com a voz preguiçosa.
-Como você sabe que eu sou a Luanna? - Dei um sorriso meio constrangido, pelo menos tentei parecer normal com a minha pergunta.
-Vamos dizer que não temos muitos... Clientes.
Antes que eu pudesse abrir minha boca para falar qualquer coisa, a porta do elevador se fechava, ele foi embora.
-Obrigado. -Sussurrei abrindo a porta.
A vista era boa, o lugar era bem espaçoso, uma sala, um quarto e veja só! Uma cozinha! A sala era um perfeito quadrado que do outro lado podia se ver as outras duas portas. Eu teria que fazer uma boa decoração por aqui. - Sorri.
Eu só faltei dançar de felicidade, mas me contive, sai na correria até um sofá pequeno florido e me joguei, é meu, tudo finalmente meu.
Eu tenho tudo.

Acordo e olho desesperada para o relógio, eu dormi em cima do sofá, passo as mãos pelo meu rosto, vou até um pequeno espelho da sala, ele estava marcado, dormi demais talvez pelo motivo
de não conseguir sentar o olho enquanto viajava.
Otimo! Minha barriga Roncou em protesto, tinha esquecido o fato de que fazia um bom tempo que não me alimentava. Vou até a geladeira com a esperança mínima de ter pelo menos um bombom de mel a minha espera. Mas não tinha nada. Absolutamente nada.
Olhei para as malas estacionadas e quase choraminguei pelo fato do trabalho de colocar tudo no lugar tarde da noite, se eu fosse uma pessoa desorganizada nem ligava para isso, mas organização era a palavra do topo da minha lista de "Tudo por um ótimo futuro". Mas para uma coisa dessas eu precisava ao menos ter energia para mover os dedos, se falo de energia eu falo de comida.
Peguei dinheiro de dentro de uma bolsinha tira colo e me apressei para a recepção fantasma do prédio.
No elevador eu pude notar a minha horrível aparência de "Acabei de ser atropelada por uma multidão de hipopótamo, idai?". Minha barriga nem ligava se eu tinha acabado de acordar toda maluca e com óculos torto no rosto. Comida era importante e eu nunca tinha ligado para aparência de qualquer forma.
Plim
Saio de dentro do elevador e olho direto para o carinha que levou minhas malas lavando o chão com uma escova de pelos acabados. Literalmente, esse cara é o único que trabalha por aqui.
-Boa noite senhor, anh.. Pode me dizer como chego no mercado mais próximo? - Dou um sorriso quando ele toma um pequeno susto ao me ver no reflexo da água que estava dentro de um balde ao seu lado.
O homem levanta sua cabeça devagarosamente, ele era lento ou era dependente de preguiça.
-Vá nessa rua direto, vire a esquerda, vire a direita, depois vire esquerda, depois esquerda de novo, depois mais uma vez esquerda.. Ai tem esquerda de novo e depois de uma esquerda você vai na esquerda e traça uma diagonal no canto esquerdo. - Ele baixou a cabeça e começou novamente a esfregar o chão que já brilhava mais do que a careca do meu pai adotivo.
Eu pisquei algumas vezes, ou esse cara é retardado ou ele é um deficiente mental. O que da no mesmo.
Sai pela porta e tentei seguir a maluca instrução, primeiro, mais doido é quem confia em doido. Segundo, tomara que eu não me perca de noite.
Quando pensei em desistir minha barriga Roncou em protesto novamente.
-Calma meu bem, vou solucionar nosso problema. -Sussurro tomando a decisão de achar esse mercado para canhotos.
Caminhando pelas ruas eu me senti insegura, ouvia apenas o som de meus passos, o lugar era vazio, aí está o motivo do prédio ser pouco habitado, será que jogaram uma bomba nuclear por aqui e eu sou a última a saber? Apertei a bainha do meu vestido quando virei a terceira esquerda, eu não acredito que me meti em uma furada logo em meu primeiro dia. Repetia isso para mim mesma, e de repente no lugar de roncos e a fome em minha barriga, tudo ficou gelado.
Logo a frente vi um senhor coberto com papelões, ele se tremia de frio, tinha uma barba gigantesca e me olhava com olhos tristes, agora minha barriga e coração permaneciam gelados, aquela cena fez meu coração se encolher tanto ao ponto de virar uma pequena pedrinha.
Eu tinha que ajudar. Eu... Tinha...
Corri até o encontro dele, ele não parecia ser nenhum tipo de pessoa malvada.
-Tudo bem senhor? - Perguntei e vi um corte em seu peito. - Ai minha nossa.
-Esses jovens vivem na rua só para fazer maldade minha filha. - Ele fala arrastado.
E agora? Eu iria fazer faculdade para economia, não sabia nada de medicina ou enfermagem, como os números poderiam me ser úteis nessa hora?
-T-Tudo bem senhor, fique calmo. Eu.. Eu.. - Rasguei uma parte de meu vestido, limpei tudo aquilo, e depois Rasguei outra parte para fazer um curativo.
Ajoelhada ali ao seu lado vi o quanto ele estava magro.
-Senhor, está com fome? - Pergunto.
Ele me olha como se estivesse com vergonha de me responder.
- Não tenha vergonha senhor, eu sei que nem todos conseguem subir na vida, você não tem culpa, tudo bem? - Eu dou um sorriso.
-Muito obrigado minha jovem. -Seus olhos se enchem de lágrimas.
-Que tal jantarmos? Eu vou só ali no super mercado. Diga-me, gosta de doces ou salgados? Voltarei em cinco minutos se o senhor me dizer aonde fica o mercado e confiar em minha volta.
Ele apontou uma rua que realmente subia em diagonal, me levantei e rapidamente fui para o mercado.
Ao chegar em um lugar totalmente iluminado e grande eu me deparo com duas garotas que olharam para mim sorrindo e cochichando, eu me mantive firme mesmo quando as pessoas se afastavam de mim, elas deviam estar achando que era uma moradora de rua com aquela roupa rasgada, cabelo bagunçado e marcas de almofadas em meu corpo, só senti na pele como era ser uma pessoa assim, totalmente descriminada.
Eu respirei fundo e deixei algo cair, empanados, quando me abaixo para pegar, notei que estava de chinelos, de onde vim qualquer mercado que ia era de chinelo, teria que me acostumar com o fato das coisas serem diferentes.
-Posso ajudar a senhorita? - Um lindo rapaz de olhos Razel, a mistura perfeita de amarelo com verde fala. Seus cabelos eram da cor de avelã, compridos porém bagunçados, o seu sorriso era perfeito, brancos e reluzentes dentes alinhados naquela boca tão bem desenhada, seus cílios negros, cheios e compridos realçavam ainda mais a cor perfeita de seus olhos e de sua pele branca e tão aparentemente macia. Se posicionou sobre um joelho ao meu lado com um braço apoiado sobre ele, muito perto. Ele estava em uma postura perfeita, como se até treinasse aquilo.
Eu me levantei rapidamente e dei com a cabeça na banca de empanadas, o que fez cair bem umas cinco sobre meus pés.
-Ai duplo! -Exclamei.
-Ai duplo? -Ele se levanta delicadamente de novo em postura perfeita.
- Como você faz isso? - Aponto para o ser inumano de tão lindo que se posicionava à minha frente, as obras de Picasso teriam inveja dele.
Ele deu um sorriso.
- Isso o que? - Ele olhou para si.
Eu fiquei muito vermelha, acho que isso eu deixei transparecer, peguei rapidamente as empanadas, deixei o dinheiro sem querer saber de troco e me mandei dali o mais rápido possível.
-Aonde vai? Por que está fugindo de mim? - Pude ouvir sua voz até quando cheguei do outro lado e me apoei em uma parede para descansar, eu sei que isso que eu fiz não é coisa de gente normal, mas as vezes eu só sigo os impulsos que minha alma manda, por algum motivo.
Fui andando até o moço e reparti com ele todas as empanadas, ele comeu bem, me contou sobre sua vida, disse que era legal ter alguém que parasse e quisesse conversar, ele também era humano mas as pessoas não tratavam ele como um.
Me deparei com a hora, devia estar tarde e eu tinha malas para ajeitar e aula amanhã para ir. Dei adeus ao velho homem que parecia naquele momento feliz e me apressei para voltar tentando seguir as instruções de trás para frente, sendo que tudo é esquerdo de qualquer forma. O gelo do meu coração e da minha barriga desapareceram, agora eu só tinha que arcar com os prejuízos que na boa, eu não dava a mínima, fiz alguém ficar feliz!
No caminho não parava de dar risadas, o homem lindo deve estar me achando uma louca, não faço a mínima questão, já que ele nunca vai me ver novamente de qualquer forma, ele só tem que entender que eu não me sentia confortavel falando com um garoto quando eu estava parecendo um pão arremessado do quinto andar.

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