Capítulo II

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Passado. Se eu fechar bem os meus olhos, ainda sou capaz de lembrar o que sempre desejo esquecer. Mas, como todo mundo deve saber, o passado volta e meia vem à nossa porta e escancara as coisas nas quais costumávamos acreditar. E, ultimamente, esbarro-me com ele a cada esquino que viro. Não que ele – o passado – seja feito apenas de coisas ruins, pois ele também semeou o que, uma vez meu, sempre me pertencerá. Provavelmente, não há mal em folhear nossas memórias e deixar que as borboletas entrem novamente. Mas, a verdade é que alguma coisa permanece me puxando para quem eu era. E, para mim, sempre haverá um culpado, ainda que para fatos irreversíveis. Contudo, vivemos assim: rodeados de passados presentes.

Uma leve garoa insistia em descer há algumas horas. Pequenos filetes escorriam pelo parapeito da janela, ao lado da mesa onde eu estava com vista para um dos muitos pátios do campus. Não sei quanto tempo gastei naquela biblioteca, mas quando ouvi Marie pigarrear atrás de mim e vi os poucos raios de sol visíveis perdendo intensidade pela janela daquele lugar, percebi que já tinha passado tempo demais.

Recolhi as minhas coisas e acenei para a senhora que arrumava uns papéis. Senti meu celular vibrar. Ally. "Café?". Ela não acreditou quando eu disse que a cafeína estava suspensa para ela hoje. "Encontre-me na cafeteria da esquina em 10 minutos.". Ela sabia que eu não recusaria, portanto, a minha certeza de que a encontraria lá assim que chegasse confirmou-se logo quando adentrei aquele local quente e aconchegante, comparado com o vento intenso e a baixa umidade das ruas dessa cidade. A cafeteria tinha um ar visível de refinamento que flutuava por sobre o murmúrio silencioso dos clientes da noite.

Avistei Ally e acomodei-me a seu lado. Ela parecia concentrada com o cardápio em mãos, embora sempre pedisse a mesma coisa para nós duas. E foi o que ela fez. O garçom, prontamente, nos trouxe duas xícaras grandes de capuccino, um gosto que adquirimos quando os estudos não estavam nos matando e queríamos uma noite tranquila de sono.

— Eu sei que estou suspensa de cafeína por hoje, mas um capuccino não faz mal a ninguém!

— Eu não disse nada! — tento disfarçar e observo algumas pessoas adentrando a cafeteria.

— Mas pensou...

Observo a garota que chorou pelos corredores esta manhã empurrar a grande porta de vidro e caminhar em curtos passos até o balcão. Ally segue meu olhar e sorri maliciosamente.

— Ela está na sua mira?

— Ally! — repreendo-a.

— Ué, você está devorando a novata com os olhos.

— Você a conhece? — tento disfarçar enquanto dou um grande gole no meu café.

— Ela faz parte da nova turma de Imunologia. Eu a vi chegando atrasada na aula do senhor Brandon.

— Então suponho que ela não teve um bom dia na aula, porque o professor Brandon detesta atrasos e ela se atrasou porque estava chorando nos corredores da biblioteca. — vejo Ally arquear uma sobrancelha. — Sim, foi assim que nos conhecemos. Ela se chama Camila.

— Hum... Camila... — faz uma careta pensativa — e você a consolou?

Sinto a maldade de seu tom de voz e decido mudar de assunto. Por algum motivo, aquela garota me chamava atenção.

— Nem vem enxergar coisa onde não tem. Que tal falarmos sobre a sua vida amorosa, em vez disso?

Eu sabia que ela morderia a isca.

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