S/n

Ao chegar no restaurante, Lea e eu ficamos sentadas em uma mesa mais reservada, ao canto do restaurante. A pequenina analisava o cardápio, mesmo que não saiba ler, ela interpreta as imagens que contém.

-- Quer comer algo?-- Pergunto atraindo sua atenção

-- Será que a mamãe deixaria eu pedir para a vovó fazer bolinho de chocolate?-- Pergunta receosa

-- Ja almoçou?-- Pergunto e ela concorda com a cabeça -- comeu tudinho?-- Ela concorda novamente -- Já comeu doces hoje?-- Pergunto e ela nega freneticamente -- então acredito que ela deixaria

-- Ja comeu o bolinho de chocolate da vovó? -- Pergunta e eu concordo com a cabeça

-- É o melhor... Antes, quando sua vovó ainda me suportava, eu tive o prazer de comer um pouco do bolinho de chocolate que ela faz -- falo e ela sorri

-- Por que a vovó não gosta muito de você? Quando chegamos ouvi ela te chamando de bocoió -- eu riu baixo com o xingamento

-- Eu fui uma grande bocoió com a sua mamãe... Tudo por influência do meu pai e da minha mãe, mas não tira o fato de que fui uma bocoió... As mamães, geralmente ficam muuito bravas com quem machuca os filhinhos delas... -- Explico calmamente

-- Você tentou pedir desculpas? Mamãe me ensinou que devemos sempre reconhecer nossos erros e pedir desculpas -- ela sugere colocando o cardápio sobre a mesa

-- É uma boa ideia... Tomara que elas me perdoem, né?-- Ela concorda com a cabeça

-- A vovó tem o coração molinho igual geleia... Você pode fazer uma carta, ou um desenho bem colorido... A mamãe também é uma geleinha... Você pode dar girassóis para ela, ela ama girassóis... São aquelas flores amarelas -- ela diz contornando o letreiro do cardápio com seus pequenos dedinhos

Sentada àquela mesa com Lea, cada palavra dela me trazia uma nova perspectiva, uma luz sobre o caminho que talvez eu pudesse trilhar para tentar consertar os erros do passado. Sua ingenuidade, misturada com uma sabedoria que só as crianças parecem possuir, tocava fundo.

-- Você sabe, Lea, essa sua ideia é realmente incrível -- começo, encantado com sua sugestão. -- A vovó com coração de geleia e a mamãe que ama girassóis... Você acha mesmo que um desenho ou uma carta poderiam ajudar?-- Pergunto, embora já saiba a resposta pela confiança que vejo em seus olhos.

Ela acena positivamente, com uma seriedade que contrasta com sua idade.

-- Todo mundo gosta de saber que é importante... E que a gente está triste por ter feito bobagem -- ela diz, seus dedinhos ainda traçando formas imaginárias no cardápio. Eu sorrio, tocada por sua perspicácia.

-- Acho que você tem razão, Lea. E esses girassóis para a mamãe... é uma ideia maravilhosa. -- Há algo no modo como ela fala sobre a mãe e a avó, algo tão cheio de amor e compreensão, que me faz querer ser parte disso novamente, ser digna desse amor e dessa família. -- Vou fazer isso, Lea. Vou escrever uma carta para a vovó e encontrar os girassóis mais bonitos para a sua mamãe. E talvez, só talvez, eu possa começar a consertar algumas das coisas que eu estraguei -- digo, mais para mim mesma, sentindo um misto de esperança e medo.

Lea sorri, satisfeita, como se tivesse acabado de resolver o problema mais complicado do mundo com a maior facilidade.

-- Vai dar certo, você vai ver. A mamãe e a vovó são as melhores pessoas do mundo. Elas vão ver que você está tentando.

E naquele momento, no meio de conversas sobre bolinhos de chocolate e desenhos coloridos, começo a acreditar que talvez haja uma chance para mim, uma chance para nós. Graças à sabedoria simples de uma criança que vê o mundo não como ele é, com todas as suas complicações e dores, mas como ele poderia ser, com perdão, amor e girassóis.

Acaso (Billie/You Gp)Where stories live. Discover now