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Presente...

— Olá, boa tarde, procurando algo específico? — questiono a mulher de pele negra, e o cabelo armado, os lábios enfeitados por um gloss. Deus tem seus favoritos, além de linda ainda lê, para mim já é demais.

— eu quero um livro bem...leve, com contos de fadas e casal perdidamente apaixonado, aqueles bem água com açúcar — fala com uma certa ânsia e eu assinto indo até a prateleira de romance clichê — é de presente para minha irmã mais nova. Doze anos.

— sendo assim tenho esse, a bela e a fera, um reconto mais atual. O que acha? — ela analisa e sorri.

— não é igual ao filme, né? — nego — então será esse mesmo.

— perfeito — falo colocando meu código de venda — só passar no caixa, espero que ela goste. Tenha um ótimo dia! — sorri e ela vai até o caixa. Bufo cansada. Olho no relógio e vejo ser 18:09, meu expediente acaba às 18:00.

Vou até a sala, abro meu armário retirando meu jaleco e crachá da livraria, empurrando todo para dentro. Hoje foi um dia exaustivo, trabalho por comissão, mas todas as vendas que eu fiz foram passadas pelo código de outro, isso me estressa muito. Estou cheia de contas para pagar, desde que fiz dezesseis anos, trabalho para me sustentar, agora que fiz dezoito, sai da casa da minha mãe já que não aguento mais ela falando em minha cabeça, e me culpando pela partida de meu pai há cinco anos.
No começo, achei que seria tudo flores morar sozinha, mas minha conta médica e os perrengues da vida adulta não ajudam.

— já vai embora srta Garden? — Rodrigues pergunta e eu pego minha mochila.

Não, estou tirando o uniforme para lavar, sua anta.

— vou, meu horário acabou — ele assente com seu sorriso malicioso para mim, ele sempre me olha dessa forma nojenta, assim como meu pai me olhava — as minhas comissões, preciso que resolva o mal entendido, as vendas da tarde eu quem fiz, preciso de um adiantamento, meus remédios estão acabando! — declaro e ele se aproxima.

— posso te dar um aumento e um adiantamento extra, mas aí depende de você, o quanto está disposta a me pagar com seu trabalho — desliza o dedo na mecha do meu cabelo e eu ranjo os dentes. Dando um passo para o lado, saindo de seu alcance — você não vai receber o que trabalhou, nada além do seu salário fixo — avisa e eu mordo meus lábios com força, sentindo a raiva líquida percorrer minhas veias.

— dou um jeito sozinha, boa noite! — passo pela porta, apertando a alça da minha mochila. Posso ouvir seus xingamentos internos, não deixarei ele se aproveitar de mim. Dou um jeito.

Sem mais despedidas ou sequer olhar para os clientes que ainda circulam a livraria, quase corro para fora. Sou atingida pelo ar puro da cidade, seguro minha vontade de gritar levando as mãos ao cabelo, puxando meus fios rente a raiz.

Eles não podem te machucar se você os dominar.
Eu não consigo. Eu estou com você.

Minha cabeça roda sentindo o nojo e a raiva, percorrer meu corpo. Levo as mãos ao meu bolso arrancando a caixa de cigarro, prendo um entre meus dentes, ascendo a ponta com o esqueiro. O resto enfio tudo em meu bolso novamente. Dou uma longa tragada sentindo o ardume gostoso e o ar quente passando por minha garganta, inclino a cabeça para trás respirando fundo e soltando fumaça.

Quando eu me viciei nessa porcaria? Nem eu sei, mas sou hipócrita.

Olho para a rua pouco movimentada e dou passos largos à uma direção que nem sei, apenas me deixando levar por minha própria consciência, um passo em seguida do outro, era assim que me encontro agora.

Minha mãe diz que minha vida desandou desde que sai de casa para morar sozinha, de fato, mas prefiro assim, lá eu tenho paz, mesmo que seja em um cubículo que vive desorganizado. O aluguel está atrasado, minhas contas médicas só aumentam e eu não tenho tempo para respirar.

Silênt nigth Where stories live. Discover now