16 - Sede

78 15 17
                                    

Eu sabia tudo o que me era necessário sobre Nora. Mas jamais me passou pela cabeça que ela cantava na igreja. O local encheu-se rapidamente e o lugar que julguei ser reservado, tornou-se tão cheio quanto o andar debaixo. Às 19 em ponto, os crentes se colocaram de pé, juntamente com as luzes que se apagaram, deixando o foco no palco e na iluminação colorida muito bem orquestrada, diga-se de passagem. Claramente eu precisei me levantar para disfarçar a minha insatisfação de estar participando daquele teatro. De fato, eu não acreditava em nada. Eu não era ateu, talvez fosse um agnóstico. No entanto, tinha plena certeza que o Deus dos crentes era falso e que tudo era encenação.

Até aquele momento.

Ouvi o som de um teclado bem tocado e a Nora, que, outrora, eu conhecia como uma estagiária da minha empresa, mostrou que, nem de longe, aquilo a definia. Ela posicionou o microfone para cantar e levantou a mão livre, olhando para o teto alto. Seu olhar brilhava de longe e o esboço de um sorriso se formou até que ela fechou os olhos, falou algumas coisas que eu não entendi e começou a cantar, assustando-me instantâneamente.

A voz melodiosa que ela emitia quando conversava deu lugar a uma voz potente, a qual, visivelmente, ela não fazia força para exprimir. Era linda, levemente rouca e eu senti que poderia ouvi-la cantar por horas a fio. A maioria levantava as mãos e fechava os olhos, entrando no clima. Eu, claro, mantive as minhas nos bolsos e os meus olhos bem abertos. Não demorou muito para que outros músicos se juntassem a ela, formando um pequeno coral de vozes perfeitamente alinhadas. Também não demorou para que, em vez de perscrutar cada movimento de Nora, eu passasse a prestar atenção na letra. Uma delas, em questão, me chamou atenção por contar uma história. A história de alguém com sede.

Junto ao poço estava eu

Quando um homem judeu

Viu a sede que havia em mim

Sem me ouvir conheceu

E me ofereceu

Uma água que jorra sem fim

Dá-me de beber, pois tenho sede

Não quero mais buscar em outras fontes

Não precisarei aqui voltar pra minha sede saciar

Uma vez que já ouvi Teu falar

"Acaso faz sentido que uma pessoa tenha sede, sendo que ela está posicionada justamente na beira de um poço? Por que raios pedir água para outro, se ela mesma pode tirar? Além do mais, que espécie de água é esta que jorra sem fim, a qual a pessoa não precisa voltar à fonte?" Minha cabeça começou a dar um nó de questionamentos, até que ouvi a outra estrofe.

Tu és por quem a minh'alma esperou

A fonte da vida que me encontrou

És o dom de Deus, o Messias

O meu Salvador

"Ah, claro. Esse judeu que a música fala é o messias." pensei comigo, ainda confuso com a complexidade do que julguei ser uma metáfora. E as estrofes continuavam a se repetir e a cada vez que cantavam novamente eu sentia uma dor no meu âmago, no fundo da minha alma. Como se uma mão tentasse remexer algo dentro de mim, inferindo-me uma dor insuportável. "Mas que droga. Esses crentes sabem como mexer com o emocional" murmurei a mim mesmo. Até que um dos ministros começou a falar no meio do louvor, tomando a minha atenção.

Essa história é sobre uma mulher, que certamente desejava ter uma vida feliz, casar-se com alguém que a amasse, mas a verdade é que todos os seus relacionamentos fracassaram. Como resultado, ela era desprezada pelos vizinhos e não podia ir ao poço no frescor da manhã, precisava esperar até o meio dia, enfrentando o sol a pino para buscar água. De fato, ela não conduzia sua vida com integridade, mas no fundo do seu coração ela tinha um desejo: buscar a Deus.

Se Não Marchar... Não Tem Cortejo (Romance Cristão)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora