12 - Corte... o quê?

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Essa é uma daquelas horas em que eu gostaria de ser onisciente, para saber o que se passava na cabeça de Nora. Ela sentou-se com elegância, puxando a saia para baixo dos joelhos e mantendo as mãos juntas sobre o colo. A postura era impecável, como de uma princesa. Quando, enfim, olhou para mim, pensei ter sentido o coração bombear sangue mais rápido. "Bobagem", afastei o pensamento, limpando a garganta enquanto afrouxava o nó da gravata e evitava seu olhar. "Eu? Giancarlo Martinelli... nervoso? Isso só pode ser brincadeira."

- Do que está rindo?

- O-o quê? - titubeei, incrédulo com minhas reações.

- Perguntei do que está rindo - insistiu com um pequeno sorriso, mas logo desistiu ao ver-me confuso, enquanto balançava uma mão no ar - esquece... por que não foi almoçar no refeitório? Por sua causa tive que comer duas marmitas! - revelou com leve insatisfação.

- Ah... eu estava atolado de trabalho. Desculpe... - "mas que mancada, Gian!"

- Deixe eu adivinhar: o senhor Giancarlo te obrigou a trabalhar na hora do almoço. - meneou a cabeça enquanto estalava a língua - mas que sujeitinho... como pode ser tão arrogante?

- Ah, tudo bem... eu...

- Não é atoa que falam mal dele...- deixou escapar, pousando os dedos nos lábios no mesmo instante, ao ver-me franzir o cenho - desculpe, eu não deveria...

- Não, tudo bem - sorri, disfarçando o embaraço - eu sei bem o que falam do senhor Martinelli - ela deixou cair os ombros, soltando o ar em alívio.

- Pois é... não falam coisas bonitas dele. Ele não está aí, está?- olhou em volta enquanto eu meneava a cabeça.

- Fique tranquila, ele não está - inclinei-me para ela, pousando o braço esquerdo sobre o encosto do sofá, percebendo-a reclinar-se levemente para o outro lado - estamos sozinhos, então podemos falar dele a vontade - brinquei. Eu, definitivamente, queria saber o que ela pensava de Giancarlo, ou seja, de mim. Só não contava saber o que o prédio todo pensava.

- Eu sinceramente estou apavorada com o que dizem do senhor Giancarlo - prosseguiu, possivelmente, numa tentativa de 'quebrar' nosso suposto clima.

- E o que exatamente dizem sobre ele?

- Ora, você deve saber: Mulherengo, presunçoso, arrogante, libertino...- enumerou - o "pegador da ilha". Só não sabia que também era explorador de funcionários.

- O quê? Pegador de onde!? - estreitei os olhos, sem acreditar

- Pegador da Ilha! Nunca ouviu esse termo? Pois eu tenho que conviver com ele todos os dias - respondeu em tom jocoso. Soltei um bufar quase que sonoro ao ouví-la - nossa, você está mesmo por fora! Eu chego a ter pena ao ouvir - suspirou, prendendo um cacho atrás da orelha - dizem que ele voltou dos Estados Unidos para assumir a empresa do pai, mas quando chegou aqui, o irmão mais novo já tinha usurpado o seu lugar.

- Isso é mentira! Ele não usurpou, é temporário - ela meneou a cabeça em negativa, demonstrando uma expressão de segurança e eu me perguntei como uma estagiária que acabara de entrar na empresa, sabia mais da minha vida do que eu mesmo .

- Ao que me parece, os acionistas vão escolhê-lo pela integridade de sua reputação, em detrimento da reputação do irmão. Eu sinto muito - içou as sombrancelhas em preocupação - deve ter cultivado apreço por ele. Mas essa é a verdade: O senhor Lucca é mais preparado, além de ser um homem simpático e de família - dessa vez, fui eu a menear a cabeça, escondendo o rosto nas mãos em seguida, enquanto tentava segurar uma risada amarga. Meus dois cotovelos cairam sobre os joelhos, em sinal de derrota. - O que é mais engraçado - continuou, chamando minha atenção - é que ele não parece ser nada disso. Pelo menos não no restaurante, quando comemos juntos.

- Ah não? - questionei, vendo-a balançar a cabeça de um lado a outro.

- Ele é bem calado e tem uma postura estranhamente altiva. Mas não tem cara de "pegador da ilha"- enfatizou o termo, com exagero cômico o que me fez rir, juntamente com ela. Pela primeira vez, sem a sensação amarga no estômago. Ela era engraçada. Um ponto a mais, já que a maioria das mulheres que eu saía eram entediantes. Num instante esqueci que o meu nome estava na lama e comecei a pôr em prática o meu plano. Afinal, precisava dele agora mais do que nunca.

- E o que seria para você, a cara de um pegador da ilha? - perguntei, com o meu melhor sorriso malicioso. - ela olhou para mim e seu sorriso feliz, foi murchando e dando lugar a uma feição de embaraço, o que a fez engolir em seco e pigarrear.

- Bem... eu não sei - ajeitou-se no sofá, visivelmente incomodada - o que, mesmo, queria falar comigo? Eu preciso voltar, não posso ficar muito tempo - hm... então ela quer apressar as coisas... pois bem.

- Nora... - endireitei-me no sofá, ajeitando o paletó, então mirei os olhos em direção aos dela. Eu sabia bem que poder eles tinham nas mulheres, já que, no Brasil, olhos claros é raridade. Porém, tive que manter o controle para que os olhos negros como ébano de Nora e os cílios de esquila não me atordoassem, virando o jogo contra mim - eu não sei bem que tipo de mulher você é. Mas eu sou o tipo de homem que odeia perder tempo. Você já deve ter percebido o meu interesse por você, eu sei que não é boba. A minha pergunta é: se você sente o mesmo - presenciei o momento em que o rosto de Nora foi enrubescendo a cada palavra que eu proferia, como se ela tivesse corrido uma maratona e retornado com a pele morena avermelhada. Uma cor que eu apreciei muito e que me instigou a vontade insana de beijá-la.

- V-v-você...

- Respire... - encorajei, ao vê-la gaguejar tão atordoada que tive medo de que desmaiasse.

- Então... - sorriu nervosa, após alguns instantes de perplexidade - assim... do nada?

- Não foi do nada. Faz semanas que te vi a primeira vez, naquele elevador - apontei com o queixo. Ela fitou o elevador atrás de si, depois pousou os olhos nas mãos sobre o colo.

- Fique calma. Não estou lhe pedindo em namoro. Só quero saber se o meu interesse é recíproco.

- Ah...- sorriu, esboçando uma calma fingida que eu achei adorável - que ótimo. Pois eu não poderia namorar você... quero dizer - emendou, ao ver minhas sobrancelhas erguidas em surpresa - eu não posso namorar ninguém. Fiz um propósito com Deus.

- Você quer ser freira!? - indaguei, genuinamente confuso.

- Não - balançou uma mão no ar, com um sorriso nervoso - não, não.... Meu Deus, não é isso.

- Graças a Deus!- levei uma mão ao peito - Pois teria que quebrar sua promessa. Você é linda demais para virar freira. - ela tentou prender o sorriso com os dentes, porém os lábios se esticaram contra sua vontade, deixando-a ainda mais encantadora.

- Okay. Já percebi que você é do tipo galante e eu vou ter que me acostumar com isso.

- Então quer dizer que você...

- Quero dizer que pode me cortejar, Giulio.

- Corte...jar? - Inquiri franzido o cenho. Confusão apossou-se de todas as células do meu corpo, no instante que ouvi o termo pouquíssimo familiar. - ela assentiu com a cabeça um pouco hesitante.

- Você é cristão? - ergueu uma sobrancelha.

- Eu... já fui a igreja...- "no dia do meu batismo, com um mês de idade". Ela meneou em negativa a cabeça, como se tivesse ouvido meus pensamentos.

- Ah, Jesus - levou uma mão a testa e eu me empertiguei ao ouví-la proferir o nome - é sempre assim...- fitou o teto da sala, fazendo-me olhar na mesma direção. "O que é que ela está olhando e por que não entendo uma palavra do que ela diz!?"- não podemos, desculpe - voltou-se para mim. - Entrar num cortejo. É jugo desigual...- "Okay. Alguém traga um intérprete?!"

- Desculpe... eu não estou entendendo palavra...

- A questão, é que precisa ser crente em Jesus para me cortejar, se não é jugo desigual. Entendeu? - ao ver que eu não esboçava reação ela fitou de seu lugar o meu relógio de pulso, procurando as horas, erguendo as sobrancelhas em seguida - Eu sinto muito, preciso ir! - saltou do sofá e correu até o elevador, batendo os saltinhos do scapin no porcelanato. Ela apertava o botão do elevador freneticamente, possivelmente, por notar que eu ainda a observava de costas. O elevador chegou, ela entrou dando um tchauzinho e se foi. Enquanto eu só tinha uma pergunta:

- What!?

Se Não Marchar... Não Tem Cortejo (Romance Cristão)Where stories live. Discover now