11 - Elevador

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As palavras cortantes de Lucca ainda martelavam minha cabeça, quando entornei vinho na taça e me direcionei à varanda do meu apartamento, contemplando a praia escura e o calçadão iluminado andares abaixo. A brisa salgada do mar me fez sentir um calafrio repentino e um vazio no peito. "Qual o sentido disso tudo? toda essa disputa por poder..." uma voz ressoava dentro de mim. Suspirei frustrado, tendo novamente a imagem do meu corpo caindo em câmera lenta, até retumbar no chão da avenida. Fechei os olhos, apertando-os com força e num instante de distração, deixei a taça de vinho deslizar pelos meus dedos e cair andares abaixo. Me apoiei no parapeito, soltando um impropério enquanto acompanhava a taça cair como um míssel e atingir o chão espatifando-se em milhares de pedaços, o que me fez engolir em seco e dar vários passos para trás, assustado com os devaneios da minha própria mente. "Preciso visitar o meu terapeuta urgente".

***

Depois de visitar o dr Lúcio (meu psicólogo), cheguei revigorado à empresa no dia seguinte. "Foco, força e fé em si mesmo" ele era quase um coach pessoal. Adentrei o prédio com um sorriso largo, dando "bom dia à passarinho". Subi assobiando pelo elevador, com as mãos enfiadas no bolso, tão sereno quanto um algodão doce e tive a sorte de ter o melhor vislumbre que o "universo" poderia me proporcionar : Nora. "É esse negócio de poder da atração, realmente funciona" pensei ao vê-la adentrar com algumas pastas. Ah, o sorriso dela me pegou de surpresa. Um sorriso largo e diferente, naquela manhã. Algo como confiança, pairava no rosto feminino que tanto me atraiu no restaurante.

- Bom dia, Giulio! - cumprimentou articulada, demonstrando surpresa ao me ver.

- Bom dia, Nora! Vejo que está atarefada hoje.

- E quando não estou... - brincou, soltando um suspiro. Ela, definitivamente, não era o tipo de mulher que eu costumava sair. Sempre me relacionava com riquinhas afortunadas e até herdeiras de grandes conglomerados. Em sua maioria loiras. E todas caíam como um patinho apaixonado. E a todas eu dispensava, depois de uma ou duas noites. Com Nora seria igual? Eu estava curioso. Ao mesmo tempo que eu achava que sim, me pegava tentando desvendar sua linguagem corporal que sempre me intrigava. Como agora: ela abraçava as pastas junto ao corpo e mantinha o olhar baixo, não ousando direcioná-lo a mim. Não até esse momento. Ela me fitou curiosa, um sorrisinho de esguelha se formou.

- Giulio, eu preciso dizer, me deixa muito envergonhada desse jeito...

- De que jeito? - indaguei, sabendo a resposta.

- Ora... desse!- respondeu, incisiva.

- Desculpe, eu não consigo parar de olhar para você...- disparei, direto e reto. Os olhos dela se arregalaram em minha direção e imediatamente ela perdeu a voz. Eu ia articular outra coisa, mas infelizmente o elevador abriu novamente. Parecia que o prédio inteiro queria entrar no pequeno recinto e eu virei-me de costas instintivamente, para não ser reconhecido. Posicionei-me de frente para Nora, com a desculpa de quem quer manter uma comunicação, mas logo fomos empurrados para o fundo do elevador. Literalmente socados. - céus, o que está acontecendo? - sussurrei com as mãos nas paredes da cabine, fitando uma Nora atordoada que olhava de mim para os outros que conversavam calorosamente.

- Está tendo uma reunião no auditório... - sussurrou de volta - uma palestra sobre saúde mental, com uma psicóloga renomada. Mandaram no email, não ficou sabendo? - fiz que não com a cabeça, enquanto era ainda mais soterrado para o fundo, ficando literalmente colado em Nora, que segurava as pastas com tanta força contra o corpo que as pontas dos dedos, outrora escuros, estavam esbranquiçados. Ela me me lançou um olhar aturdido sob os longos cílios negros, o rosto entre os meus braços começavam a tomar tonalidades avermelhadas, mesmo por baixo da pele cor-de-chocolate ao leite. De fato, eu adoraria provar um pedaço daquele chocolate, mas deveria ser prudente. A grande maioria dos sinais que ela me passava era de uma mulher arredia e eu não podia estragar tudo sendo um "pervertido", como dizia meu irmão. Então tratei de ser o mais respeitoso possível, tentando tomar, nem que fosse centímetros de distância de Nora, enquanto apoiava as mãos em ambos os lados de sua cabeça e limpava a garganta.

Se Não Marchar... Não Tem Cortejo (Romance Cristão)Where stories live. Discover now