15 - Crush

75 14 7
                                    

Gian

Eu, definitivamente, não lidava bem com rejeição. Conseguia, quase que me transportar para o ensino médio, quando surpreendi minha namorada, a Kelly, trocando beijos sôfregos com outro garoto. Daquele dia em diante, jurei que beijaria quantas bocas me fosse possível e, mais tarde, quando entrei na faculdade, os beijos já não eram suficientes. Até que me tornei Giancarlo Martinelli e as mulheres tornaram-se ainda mais fáceis.

Menos esta.

- Que ridículo! O que estou fazendo? - murmurei a mim mesmo, apertando ainda mais o volante da Mercedes entre os dedos, quase que sentindo o gosto do couro. Naquela época eu havia feito mais um juramento: nunca me envolver com uma mulher no âmbito emocional novamente. Mas cá estava eu: dirigindo em direção à igreja de Nora, depois de ter tido uma negativa de sua parte, sendo rejeitado por uma estagiária da minha própria empresa. Eu só precisava levar ela para cama, mas ela havia negado um almoço comigo e depois aquela conversa de "não posso, jugo desigual". O que mais nos faltava para irmos logo ao que interessava? Absolutamente tudo. Eu nunca havia sido dispensado antes em nenhuma língua. Muito menos em crentês. Isso deixou-me profundamente irritado por três dias e eu não a procurei novamente. Seria humilhante. No entanto, depois de ponderar entre o orgulho e a presidência que estava em xeque, decidi pegar o endereço descrito pelo meu secretário no 'dossiê' da Nora. Esse jugo se tornaria igual, nem que para isso eu tivesse que fingir.

"Assembleia de Deus..."murmurei, fitando a fachada totalmente espelhada, do que me pareceu ser um prédio de dois andares. Cruzei o espaço cercado por grades brancas, subi uma pequena escadaria e logo estava diante de portas de vidro espelhadas, que se abriram para mim, sendo recebido por cumprimentos em evangeliquês. Olhei para o rapaz de terno na porta e apenas esbocei um aceno de cabeça, passando os olhos pelo local climatizado em seguida. Era confortável, eu não podia negar. Desde o chão de carpete grafite, às cadeiras acolchoadas em azul, as paredes revestidas com o mesmo material do chão, dando um clima de cinema. E o que mais se parecia com um cinema era o telão de led logo à frente. O clima era agradável, as luzes apagadas, deixando apenas algumas nas laterais e a luz do próprio telão com o tema do dia.

- Ora, vejam só - pousei as mãos nos bolsos do terno, dando voz ao pensamento, com um sorriso sardônico - não é tão difícil assim ser crente, não é mesmo? - murmurei, olhando em volta até que meus olhos fixaram na silhueta delgada de vestido branco, pele morena e cachos descendo em cascara pela cintura - Nora...- emiti, ao constatar que eu tinha encontrado, enfim, o alvo da minha conquista. Meus sapatos encerados me levaram, quase que sozinhos, até ela e eu a toquei gentilmente no ombro esquerdo, tendo em resposta uma Nora ralhando, ainda de costas, com sua 'suposta' irmã. Um pigarro me foi necessário para que ela despertasse e ela despertou, girando o corpo imediatamente. Os olhos quase saltando pelas órbitas me analisaram de cima abaixo e depois voltaram para o meu rosto. Sua boca entreaberta não esboçou som algum, além de um "você" esganiçado e eu sorri inevitavelmente.

- Boa noite, Nora! Que prazer encontrá-la aqui - ela hesitou por alguns instantes, até encontrar a voz.

- O que faz aqui?- sussurrou, dando um passo em minha direção.

- Bom... eu estava procurando uma igreja para congregar e - dei de ombros. Era a única desculpa que me passava pela mente - é uma grande coincidência encontrá-la aqui. - Ela cruzou os braços e estreitou os olhos tão linda que me fez suspirar. A Nora produzida, conseguia ser ainda mais perfeita que a versão do trabalho: os cachos estavam minuciosamente definidos e jogados para um lado e o rosto tinha uma maquiagem leve que apenas realçava sua beleza. As sobrancelhas ainda mais expressivas, os cílios ainda mais longos e os lábios ainda mais desenhados. Eu passeava os olhos pelo rosto dela enquanto ela me encarava fixamente, a incredulidade nítida em sua expressão. Ela abriu a boca novamente, provavelmente para rebater minha desculpa esfarrapada, contudo uma garota esbaforida, que parecia sua versão alguns anos mais nova, se aproximou, apoiando a mão no ombro de Nora.

- Elô, o líder do ministério de louvor está te procuran...- estacou ao me ver. Percebi o momento em que a garota levantou os olhos para mim e abriu os lábios formando um gigantesco "O", que esticou-se em um sorriso em câmera lenta.- Quem é esse, Elô? - Nora hesitou, atordoada e estática como uma estátua, então tive que me apresentar.

- Sou Gi...- merda! Não estou acostumado com esse nome! - Giulio. Ela é sua irmã, suponho. - dirigi-me a Nora.

- Fale alguma coisa, mulher! - disse a garota, beliscando o braço da irmã, que emitiu um 'au', que pelo visto a acordou.

- Eh... esse - estendeu a palma aberta para cima em minha direção - é o Giulio.

- Disso eu já sei! - retorquiu a garota, rolando os olhos pelas órbitas, enquanto cruzava os braços e olhava de mim para ela.

- Eu sou colega de trabalho da sua irmã, senhorita...

- Elaza - estendeu uma mão animada para que eu apertasse e eu o fiz. "Ah, como pude me esquecer: a razão por eu estar aqui. A irmãzinha que posta tudo no Instagram, inclusive o local da igreja que congregam." Nesse instante, alguém chamou a atenção de Nora que olhou em direção sobressaltada.

- Eu preciso ir! - olhou de mim para Elaza ainda assustada, meneando a cabeça em incredulidade - Elaza, não alugue a cabeça do Giulio, vai sentar com seus amigos, okay?

- Tá, pode ir! Tá atrasada, vai logo! - hesitante, Nora foi ao encontro de um grupo que julguei ser os músicos da igreja, pelos apetrechos musicais que carregavam.

- Ela sempre precisa ir... - emiti, inconscientemente.

- E sempre está atrasada...- ouvi a vozinha quase infantil da garota ao meu lado, que mirava a mesma direção. A adolescente parecida com Nora, porém de cabelos lisos até os ombros, olhou de volta para mim com os braços cruzados e uma expressão maliciosa se formou.

- Você é crush da minha irmã?

- Sou o quê?

- Perguntei se é crush dela. Ou será que você tem crush nela?- estreitou os olhos. "Ah, crush. Eu já ouvi esse termo na América. Ela quer saber se estou interessado na irmãzinha dela ou se é ela que está interessada em mim." Abri um sorriso involuntário e a menina piscou várias vezes, deixando o queixo cair um pouco.

- Eu e sua irmã trabalhamos na mesma empresa. Ainda é só isso que tenho para te dizer.

- Bom - sorriu nervosa - se é "ainda" - fez aspas com os dedos - quer dizer que há esperança, certo? Mas eu tenho que te alertar de uma coisa: minha irmã tem pelo menos uns cinco caras com crush nela, vai ter que entrar para fila - ergueu uma sobrancelha, ensoberbecendo-se da irmã - além do mais ela muuuuuito difícil. Não vai ser fácil conquistá-la. - foi inevitável abrir mais o sorriso, diante da garota que tentava elevar a irmã ao mais alto nível. Não precisava disso tudo para saber que Nora não era fácil. Eu já havia provado isso.

- Gosto de desafios - respondi numa piscadela, arrancando-lhe um sorrisinho.

- Então, boa sorte, pretendente a cunhado - brincou, dando dois tapinhas no meu braço, afastando-se algumas passadas, não sem que eu a interrompesse antes.

- Ei, Elaza! - chamei, vendo-a voltar-se para mim - onde ela vai sentar?

- Ela não vai sentar hoje, varão. Ela vai cantar - respondeu, voltando a seguir seu rumo: uma fileira de cadeiras repleta de adolescentes.

Encontrei um lugar mais reservado no segundo andar: uma espécie de mezanino que explicava a altura do prédio. Fui até o guarda corpo feito de barras de inox e lá de cima consegui ver tudo. Uma espécie de palco coberto pelo mesmo carpete de toda a igreja, onde os músicos se ajeitavam para começarem a tocar. Nora estava entre eles, conversando amigavelmente com alguns rapazes e eu senti um incômodo incomum nesse momento. Fiz questão de sentar na primeira fileira, em frente a balaustarada e aguardei o culto começar, enquanto, lá de cima, não tirava os olhos de Nora.









Se Não Marchar... Não Tem Cortejo (Romance Cristão)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora