Capítulo 35

205 35 4
                                    

O Legado era uma magia consciente fragmentada que, se unida a outros fragmentos de Legado, ressuscitaria e concederia a imortalidade ao terrível Barba Azul. Esse Legado precisava ser protegido por um Guardião. Victor sabia disso tudo, mas nunca havia refletido sobre a verdadeira natureza desse Guardião. Sempre imaginara que se tratava de um ser etéreo ou algo mágico. Obviamente, o Guardião possuía poderes para proteger o Legado, mas Victor nunca havia considerado que ele fosse um ser de carne e osso, muito menos que pudesse ser um Lobo.

— Ele exala o aroma da magia. Pura magia — comentou Klaus, ao seu lado.

Ambos observavam o Guardião que se aproximava, parando na trilha a poucos metros atrás das figuras espectralmente reconhecíveis como os pais de Victor.

Cornélia, a bruxa, nem se deu ao trabalho de se apresentar ao novo "convidado". Em vez disso, atacou-o com os fantasmas que acabara de invocar.

O Guardião levantou a mão, e os espíritos ficaram instantaneamente paralisados. Logo após, suas feições começaram a assumir aparências mais humanas, em contraste com o aspecto decomposto e horroroso que inicialmente apresentavam. Sim, agora Victor conseguia perceber que eram realmente espíritos, tanto de humanos quanto de não-humanos. As expressões de alívio em suas faces foram evidentes antes de se dissiparem em uma névoa esbranquiçada.

— O que você fez com as minhas criações!? — gritou Cornélia, visivelmente surpresa e furiosa.

— Elas não são suas criações, para começo de conversa — o Guardião falou, sua voz era grave e ao mesmo tempo melodiosa. Seus olhos encararam a bruxa com uma expressão que mesclava desprezo e crítica.

A bruxa Cornélia era uma figura ambígua. A pele dela, inicialmente lisa e luminosa, começava a revelar manchas e rugas à medida que sua raiva crescia. Seus olhos, um mosaico de verde e castanho, pareciam esconder segredos insondáveis.

— Usar magia envolvendo espíritos trata-se de algo que deve envolver consentimento por parte das almas que se foram. Elas existiram antes de nós e irão continuar a persistir em sua jornada pós-vida. Simplesmente requisitamos sua ajuda, em uma relação de parceria à qual nós, necromantes, devemos nos submeter à vontade dos espíritos e não fazer deles instrumentos de nossa vontade — explicou o Guardião com calma.

Cornélia pareceu surpresa com a menção da necromancia e ela não era a única.

— Ele realmente falou em necromancia? O Guardião é um necromante? — indagou Victor, voltando-se para Klaus.

Seu parceiro também parecia estar tentando digerir aquela revelação. Afinal, a necromancia era uma arte mágica proibida e comumente associada a práticas horríveis, como as que eles haviam presenciado com Cornélia. A forma como o Guardião falava sobre necromancia indicava uma perspectiva completamente diferente quanto ao uso da magia.

— Do que você está falando? — Cornélia questionou, sua face enrugando e adquirindo manchas — Não me faça rir. Necromancia é a arte de controlar a vida e a morte! Não é à toa que somos temidos! A Rainha Vermelha deve molhar as calças só de saber que ainda existem necromantes vivos no reino!

— Criança, controlar a vida e a morte? Ninguém tem esse controle — respondeu o Guardião, em um tom condescendente.

— Claro que temos controle! Afinal, eu estou viva e já ultrapassei a marca dos 100 anos! Normalmente, uma mulher não revelaria sua verdadeira idade, mas observe como a necromancia me mantém tão jovem e bela! — disse ela, e sua face rapidamente reassumiu sua aparência juvenil e encantadora.

— Sinceramente, não sei por que ainda estou te dando ouvidos — continuou ela, estendendo um braço e fazendo ossos emergirem da terra — Você fala sobre necromancia, mas certamente não a compreende em sua essência. Talvez, se tivesse lido alguns dos tratados de Lorde Aberon, você entenderia a importância desse poder.

Capuz Escarlate -Legado do loboOnde histórias criam vida. Descubra agora