Capítulo Cento e Trinta e Dois

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Por alguns segundos, eu não soube o que dizer.

Embora não fizesse sentido eu ter ficado sem saber como reagir, tá ligado, porque meio que parecia óbvio que o vacilão do Café ou o próprio Galo Cego iriam querer dar uma olhada no bagulho antes dos caras partirem.

A grande questão de verdade ali era: por que é que eu não pensei nisso antes?

— Olhar pra quê? — perguntei pro Café, no automático. A primeira coisa que me ocorreu, por instinto, foi empregar o deboche na voz. — Quer verificar se as acomodações estão no padrão cinco estrelas lá do presídio? Tá com medo dos maluco achar o bagulho aí abaixo do padrão e preferir ficar lá em Tremembé mesmo? Ah! Vai lamber meu saco, Café.

Todos os caras riram.

Até o próprio Café riu, tornando a passar a mão na lataria.

— É sério, pô — ele disse, ainda rindo.

— É sério o que, jão? É um baú, caralho. O que mais tem pra ver?

— Você viu o bagulho antes do teu funcionário trazer o caminhão pra cá?

— Dentro do baú, você tá querendo dizer? — questionei.

— É.

— De relance... — meti o louco. Porra, eu tinha que falar o bagulho certo pra espantar de vez qualquer desconfiança que pudesse surgir e ainda garantir que o miserável tirasse da cabeça a ideia de olhar lá dentro, mas como, porra? — Ele só desocupou aí dentro pra ter espaço pros caras entrar e já era.

— Então, minha preocupação é essa.

— Como assim?

— Sei lá, Alemão. Deus o livre, acontece deles serem parados na volta, abre essa porra aí e tá os cara lá dentro do baú; só eles.

— Mas eu não acertei com você que os maluco aí vão passar num posto de coleta lá em Taubaté mesmo, que um parceiro meu vai tá esperando eles pra abastecer o caminhão com carga lá pra Ceagesp e os caras vão poder se esconder atrás dos paletes?

— Eu sei, mas eu só quero ter uma ideia de como tá aí dentro mesmo. Pra não deixar nem um furo se alguma coisa fora do previsto acontecer.

Ficamos nos encarando por alguns momentos, em silêncio.

Eu sei que eu tava sério, mas o cuzão tava todo sem graça.

Não dá mais pra segurar essa porra... engoli seco.

— Que porra é essa, Café? — entoei. Ele pareceu não entender. — Tá achando que eu tô de putaria pro teu lado, é? Pra quê essa desconfiança?

— Quê isso, Alemão — ele se exaltou. Pior que eu sabia que ele tava sendo sincero. O arrombado nem desconfiava; eu chega via a ansiedade pipocando através da pele dele; ele tava a milhão pra fazer o bagulho logo, em choque de qualquer coisa dar errado. Café sempre foi emocionado assim; aquele tipo de cara que se não visse tudo, se não soubesse de tudo, era capaz de infartar. O tipo de sujeito que só consegue se sentir tranquilo se o trampo for feito pelas próprias mãos; confesso que eu mesmo tinha muito disso. — Não é desconfiando de você não, pelo amor de Deus. Fala isso assim não, eu só queria...

— Não, beleza, vai lá, ô Capitão Caverna, vê aí se a porra do baú tá do teu agrado — acenei bruscamente, andando como quem não quer nada na direção das portas.

Fui me afastando pra poder me manter próximo do portão de saída da Vargo e longe o bastante pra ter todos os caras no campo de visão.

Ele riu... uns caras riram com ele também, principalmente o Galo Cego que entoou baixo:

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