Capítulo Treze

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— Vai lá, ó. Vê se o Quintino tá prestando atenção — falei pro David, dividido entre olhar pra prateleira e pro caixa lá na entrada. Tinha uma mulher passando algumas coisas, mas vai saber...

— Tá bom — num pulo, ele saiu correndo em direção ao caixa e senti meu coração apertar com a decisão de quando pegar.

Tinha que ser rápido.

Enfiar a garrafa num segundo e dar o fora dali no outro.

— Ele entrou lá pra dentro da casa dele — me avisou David já vindo pelo corredor. Falou alto demais. Olhei para trás para ter certeza se a gente tava sozinho.

Tava.

Hoje, eu não lembro que porra de garrafa era aquela que eu peguei; vodca, cachaça, licor. Não adiantava, eu não conseguia lembrar. Só sabia que era pinga e era uma que meu pai costumava beber, porque foi o critério que me levou a escolhê-la, agora que eu pensava no assunto. Afinal, eu já tinha provado antes em casa. E eu já era o cara, isso eu era.

O filho-da-puta que botava o terror na escola, na rua e fazia coisas que os moleques com dezesseis, dezessete e por aí andavam fazendo. Até andar com alguns deles, eu já andava.

Mas era do David que eu gostava mais.

Tínhamos a mesma idade. Treze. Íamos pra escola juntos e infernizávamos os professores de modo que nem éramos mais colocados na mesma sala.

Ele não era tão corajoso como eu, mas às vezes ultrapassava uns limites que eu nunca tinha tentado até então. Acho que para mostrar pros outros que não estava um passo atrás de mim. E por mais que ele pensasse o contrário, eu gostava daquilo também.

O pivete foi o único amigo que eu dei valor até aquela época.

E acho que isso significa muito quando olho para trás porque... porque eu era tão louco da cabeça, tão descompensado que ainda não sabia nada sequer sobre mim mesmo. Eu tinha desconsiderado coisas que eu queria fazer de verdade, coisas que eu sentia dentro de mim, como olhar para certos moleques de uma maneira diferente. Eu só queria pressionar a mim mesmo até o limite; era como quando eu tive uma farpa enfiada no dedo. Não consegui tirar, mas não quis pedir ajuda. Eu fiquei lá apertando a pele em volta dela, sentindo a dor aumentar mais e estava me incomodando, mas eu não parei, continuei apertando e apertando até que comecei a me afeiçoar àquela dor.

Por muito tempo, eu só fui me tornando um filho-da-puta cada vez maior...

E fui me afeiçoando a essa ideia também...

— Vai essa mesmo — falei apressado, colocando a garrafa debaixo do meu braço, escondida pela blusa que eu vesti de antemão, já planejando aquilo. Também não me recordo direito, mas com certeza aquilo deve ter soado para mim mesmo como o cúmulo da inteligência. Fiz questão de colocar debaixo do braço que ficaria oposto ao caixa quando eu passasse pela entrada/saída do mercadinho. — Caraca, a garrafa é quase do tamanho do meu braço.

— E agora? — quis saber David, tenso, olhando de um lado para o outro.

— Fica do meu lado aqui. E vai passando comigo pra ele não conseguir ver, caso ele apareça...

E assim fomos, um do lado do outro.

Na época pareceu inteligente, mas o David deu muito na vista...

Que raiva. Assim que chegamos no caixa, o Quintino saiu de dentro da porta que fazia o acesso para a sua casa nos fundos do mercadinho.

Andamos mais rápido.

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