Capítulo Cento e Quatorze

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Embora o para-brisa fosse quase lacrado, como tava de dia, o arrombado deve ter me visto, pois veio na minha direção com um sorriso filho-da-puta na cara.

Suspirei, cansado demais pra me envolver numa outra treta.

Antes que ele chegasse até a porta do carro, fui abaixando o vidro.

O desgraçado ainda teve a audácia de se debruçar sobre a janela.

— Que porra você quer, Josué? — perguntei.

— Caralho, Alemão, mas a vida tá zoada assim mesmo? Toda a vida que eu te encontro é esse mau humor desgraçado.

— Maluco, é eu olhar na tua cara que não tem bom humor que aguente. Te ouvir falando então? Aí é pedir pra arruinar meu dia.

Ele pareceu achar muita graça, pois até se afastou da janela pra rir mais à vontade.

— Talvez seja um choque pra você saber disso, Alemão, mas a minha vida não gira em torno de você — ele falou.

— Então, que porra você quer comigo?

— Eu? Nada. Quem tá atrás de você é o Café. Tô só bancando o mensageiro aqui.

— E cadê o...? — antes que eu pudesse terminar, vi que o Café vinha do outro lado, na minha direção.

— E aí, meu irmão — ele já chegou falando, se projetando pra dentro do carro pra apertar minha mão, todo sorridente. Parecia não haver pessoa mais feliz no mundo. — Tá sumido, caralho. Desde que eu voltei, quase não te vejo. Tá se escondendo, é?

— O que ele tá fazendo aqui, Café? — perguntei, relanceando o Josué que se afastou, tornando a rir.

— Ai caralho... agora vai querer dizer por onde eu posso ou não posso andar, é?

— E falando nisso, até me surpreende você ainda tá por aqui, maluco — falei pra ele.

— Ah é? E por que?

— Toda vez que acontece uma merda que nem essa que tá rolando entre o Café e o Kalil, a primeira coisa que você faz é dar no pé pra não ser envolvido na treta.

Ele estalou a língua.

— Não sou você não, Alemão.

— Não é mesmo não, maluco. Que se você fosse, você era gente — retorqui. — Ou vai meter o louco aqui e negar que quando deu aquela última treta uns anos atrás com os caras que tavam trazendo os bagulho por Corumbá e você tava no meio com aqueles vermes da prefeitura e eles tentaram passar a perna no Russo, você não se enfiou pro nordeste por quase um ano?

— Vamo' ficar de boa aqui, rapaziada — Café entoou.

— Ficar de boa a minha pica, parceiro — exclamei, irritado. — Como é que depois de tudo o que eu fiz pra você, 'cê tem a cara de pau de botar esse filho-da-puta pra vir atrás de mim, caralho?

— Quem você pensa que é...

— Cala a sua boca, seu largato do caralho, que o assunto aqui não é com você — apontei o dedo na cara do vacilão.

— Quem é largato aqui, seu viado filho-da-puta?!

— Ou, ou, ou! — Café empurrou o Josué com tudo pra trás. — Vamo' parar com essa molecagem aqui...

— Vai tomar no olho do seu cu também, seu ingrato maldito dos infernos! — eu já tava pra sair do carro, quando o Café se virou com tudo pra mim.

— Eu não trouxe ele aqui não, Alemão! — gritou, erguendo os braços com tudo pra cima.

— Não trouxe é o caralho! Vai meter o louco na puta que te pariu! Esse arrombado, verme do caralho, chegou aqui botando banca, falando que não queria porra nenhuma comigo, que só tava falando comigo porque era você que tava atrás de mim.

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