Capítulo Trinta e Dois

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— O Golzinho tá inteiro, hein — comentou Raul, dando uma volta ao redor do carro pra analisar. — De que ano?

— 2001.

Haviam outros carros velhos encostados ali, mas a verdade era que o Gol estava em melhor estado mesmo. No outro lado da rua de terra que ficava em frente ao terreno, tinha um velho sentado embaixo de uma árvore, comendo uma manga.

Fora ele, nenhuma alma viva além de nós dois.

No terreno tinha de tudo, desde carcaças enferrujadas de carros desmanchados a caçambas com entulho e uma montanha de garrafas pet prontas para a reciclagem.

Acendi mais um cigarro.

— E você larga o carro num lugar desses? — Raul quis saber.

Ergui os ombros.

— Não me serve de nada.

— Então arruma ele pra mim, porra.

— Se o carro fosse meu, eu arrumava.

— Ué... e é de quem?

— Quem sabe — passei a mão pelo capô. — No momento, não é de ninguém, embora esteja sob meus cuidados.

— Entendi porra nenhuma.

Eu ri.

— Tava no pátio do Detran e foi selecionado pra ir a leilão, pra quitar as dívidas do antigo dono. Mas tinha um pessoal lá nesse Detran que tava me devendo uns bagulho aí e acharam uma boa me dar o carro. Só que esse processo de transferência do antigo dono pra quem fosse arrematar nunca foi concluído por eles terem resolvido me dar o carro e agora é como se ele não estivesse registrado no nome de ninguém.

Por uns momentos, Raul se limitou a olhar pro carro, depois pra mim, pro carro de novo e pra mim, sem abrir a boca.

— É... eu já tava esperando que fosse isso que a gente ia fazer mesmo — desabafou, indo até a porta do passageiro. — Será que ele pega ainda?

— Eu já tinha me certificado disso.

— Então, bora resolver essa treta logo.

Entrei no carro e fomos até o bairro que o Raul tinha dito que o Lucas tava morando agora.

Uma quebradinha bem complicada no extremo leste da capital que eu me lembro de já ter ido uns anos atrás com o Roberto pra resolver uma treta do comando.

Apesar do mar de tijolos vermelhos, das ruas apertadas e do pessoal descompensado que morava por ali, era um lugar no qual eu me sentia à vontade.

— Ele tá sempre nesse bar aí — comentou, assim que chegamos no lugar, apontando pro barzinho mais adiante que era movimentado pra porra.

— 'Cê é louco, caralho. O bagulho aí lotado às duas da tarde de uma terça-feira e você vem me dizer que ele não tá preocupado com alguém seguindo ele — reclamei, recostando a cabeça no banco. — Num lugar desses, até eu ia ficar de boa com relação a ter alguém me seguindo.

— Então, vamo' lá pra frente da casa dele.

— Não. Melhor aqui — eu disse. — Lá na casa dele, o cuzão pode ficar mais cauteloso por causa da família.

— Você que sabe.

E ficamos ali por mais ou menos quinze minutos, esperando, até que um louco surgiu do nada batendo na janela do carro, no meu lado. Abaixei o vidro com tudo.

— Que porra é essa, maluco? — exclamei.

— É que faz mó tempo que vocês dois tão encostados aí e nem saíram do carro... — a cara dele não me era estranha.

DeclínioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora