Prólogo

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Quantas noites são necessárias para contar as estrelas? Eu poderia passar toda minha vida focada apenas nisso e ainda não seria o suficiente para curar a dor do meu coração

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Quantas noites são necessárias para contar as estrelas? Eu poderia passar toda minha vida focada apenas nisso e ainda não seria o suficiente para curar a dor do meu coração. Mil trezentos e noventa, este foi o maior número na contagem de estrelas que cheguei em uma noite calma. Não é como se minha vida fosse movimentada, mas raramente o céu de Seattle colabora com a minha contagem, são raros os dias que o céu está limpo de nuvens nebulosas e me deixam ter essa experiência. Morar em uma casa alta ajuda bastante, até porque não se dá para ter uma visão muito clara do que há ao redor quando se tem milhões de construções escondendo a linda vista noturna. Estrelas são a minha maior obsessão, sempre tive afeição por elas, desde pequena... e Lisa sempre foi a maior de todas no meu céu. Nunca acreditei muito em destino, mas sempre tive em mente que as coisas que tem que acontecer, acontecem. E, bem... ela aconteceu quando tínhamos apenas sete anos, foi quando nós nos conhecemos em um banheiro do colégio. Lisa apareceu em um momento assustador, pôde-se dizer que o momento mais assustador de toda a minha vida. Aos sete anos eu fui diagnosticada com TEA, transtorno do espectro autista nível 1. De início foi um completo choque para a minha família, mas de fato eles sempre desconfiaram que havia algo de "errado" comigo, mesmo eu nunca demonstrando alguns dos sintomas mais comuns para o diagnóstico, após exames, eu fui diagnosticada e aí a série de tratamentos deu início na minha vida. Não era fácil entender o por que de toda a mudança, mas muitas coisas mudaram no meu mundo quando meus pais descobriram, principalmente porque estava sempre sendo acompanhada por psicólogos, até mesmo no colégio. Isto foi um completo choque de realidade para mim, tudo o que passava na minha cabeça era que eu era louca e por isso a quantidade de pessoas me acompanhando diariamente, todo minuto, a cada segundo... e me lembro perfeitamente bem do quão assustada eu estava em uma segunda feira, após uma briga intensa de meus pais em casa. Eles não tinham ideia de que eu estava escutando cada uma das palavras deles do meu quarto, mesmo que tentassem controlar o tom de suas vozes, ainda sim sempre tive muita sensibilidade sonora, então qualquer barulhinho eu era capaz de entender perfeitamente bem. Lembro-me de sentir minhas mãos molhadas de suor... a adrenalina de estar escondida atrás da porta escutando cada palavra deles... cada suspiro... cada grunhido interrompido de choro e soluços. Eu sentia que aquilo tudo era por minha culpa, e de certa forma, sempre foi.

Depois do meu nascimento a vida deles mudou drasticamente, tendo em mente que nunca fui planejada e minha mãe descobriu a gravidez quando já estava com seis meses de gestação... sim, sei que foi uma completa loucura para eles compreenderem a minha chegada. E quando cheguei, tudo desandou de vez. Tudo na vida deles se resumia a mim, tudo, desde as seis da manhã até às onze e meia da noite eles corriam atrás de coisas para me ajudar. Sou totalmente grata a eles por isto, hoje em dia eu não seria tão compreensível se não tivesse sido tão bem cuidada quando criança, mas aquele dia... aquele dia me apavora até hoje. Entrei em um desespero intenso quando cheguei no colégio aquela manhã, tudo ajudou para meu estresse, era como se as pessoas estivessem dispostas a me quebrar em pedacinhos aquele dia. Gritos, gritos e mais gritos. Minha cabeça entrou em colapso por ter esquecido o AirPods aquela manhã e consegui despistar a moça que ficava comigo em sala de aula, eu disse que precisava falar com a diretora e me escondi no banheiro onde sabia que ninguém entrava já que pensavam ser mal assombrado. Lembro-me de estar tão petrificada a ponto de não conseguir chorar, lágrimas não saiam, meu corpo só tremia, tremia e tremia enquanto eu tentava desesperadamente tapar meus ouvidos com as mãos em busca de silêncio, mas minha mente não ajudava nem um pouco, estava mais barulhenta que um parque de diversão com diversas crianças de cinco anos espalhadas.

E foi então que ela apareceu, como uma estrela em um céu muito nublado e escuro, ela apareceu usando suas roupas ridiculamente coloridas e, para minha completa surpresa, apenas sentou-se do meu lado e esperou que eu me acalmasse. Eu detesto quando pessoas começam a falar muito, detesto quando perguntam se estou bem mesmo quando obviamente não estou... e ela não fez nada disso, pelo contrário, foi a presença dela naquele momento que me impediu de explodir. Lili salvou minha vida sem ao menos saber disso.

Depois daquele dia, levamos dois anos até nos falarmos outra vez, não que tenha acontecido alguma conversa aquele dia, mas o fato de ela ter ficado comigo até sentir que poderia ir embora me marcou bastante. Hoje somos melhores amigas, eu não me imagino longe de Lisa, isto porque ela é minha pessoa favorita no mundo. Não tenho certeza se ela se lembra daquele dia, é provável que não, porque sempre que as pessoas perguntam como nós nos conhecemos, ela menciona o dia da cantina quando já tínhamos dez anos, dois anos depois daquele fatídico acontecimento traumático em minha vida. Éramos muito jovens... mas nunca esqueci disso. Passei um ano inteiro a estudando em silêncio, notando sua forma de falar, andar, se vestir, escrever, dormir... ela se tornou uma verdadeira distração no meu dia a dia, mesmo que não soubesse da minha existência. Ela sempre é o ponto das atenções por onde passa, não importa o quão ruim esteja seu dia, as pessoas sempre olham pra ela, desde pequena. Os cabelos pretos, a pele suave como uma nuvem, sempre corada como o entardecer em um dia ensolarado, os olhos pretos brilhosos como a lua cheia... de fato, o astro mais brilhante do céu de muitas pessoas por aí... inclusive do meu. Lisa é a lua do meu céu. E eu sou a estrelinha solitária que a acompanha sempre por onde vai... acompanhava. Muitas coisas mudaram entre nós, e muitas outras coisas aconteceram nesse meio tempo. Tudo o que sei sobre ela é o que chega até meus ouvidos, mas tem sido difícil acompanhar de longe alguém que eu sempre quero ter por perto.

Remember That Night?Onde as histórias ganham vida. Descobre agora