Capítulo 43: Remédios.

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—Como assim pesquisou sobre a vida dela? —Indaguei, apertando minhas mãos em punho, vendo ela dar de ombros. —Isso diz respeito a ela e não a você!

—Eu sabia o nome dela, o que ela fazia. Sabia que tinha vivido com os avós e sobre os pais. —Ela balançou a cabeça, como se não fosse nada. —Foi só procurar. Não é difícil descobrir as coisas hoje em dia. Você mesmo teria descoberto se tivesse feito umas perguntas por aí. Aspen não é uma cidade tão grande assim.

Soltei uma risada, fechando meus olhos com força, não acreditando que estava ouvindo aquilo da minha própria mãe. Que ela realmente tinha feito algo como aquilo.

—Eu fiz uma pergunta. —Ela batucou os dedos na mesa, olhando pra mim com as sobrancelhas erguidas. —Você sabia disso? Ela te contou?

Soltei uma respiração pesada, esfregando minha testa, antes de olhar pra ela. Isso explicava todas as ligações, mensagens e pedidos para que eu fosse encontrá-la pessoalmente. Minha mãe nunca da ponto sem nó.

—Por que está fazendo isso, mãe? —Indaguei, sentindo a tensão dar lugar apenas a decepção. —Que direito você tinha de ir pesquisar ou sei lá o que você fez pra saber sobre a vida dela?

—Meu direito de mãe. —Deu de ombros, enquanto eu revirava os olhos, sem acreditar que estava ouvindo aquilo dela. —Então, sabia? Ela contou a você que tinha autismo?

—Não, mãe, ela não me contou. —Afirmei, cruzando meus braços, enquanto me ajeitava na cadeira. —Mas eu desconfiava, tá legal? Era isso que queria saber?

—Ah, nossa, você desconfiava e não pensou em perguntar pra ela se tinha ou não? —Indagou, fazendo uma careta quando viu que eu estava rindo. —Qual a graça?

—Você! Só... —Parei de falar, mordendo o lábio, enquanto balançava a cabeça negativamente. —Por que eu perguntaria? Se ela não me contou, é porque não se sente confortável em falar sobre isso. Eu não ia dar um de idiota e perguntar apenas para deixá-la desconfortável perto de mim.

—E ia deixar ela continuar te enganando? —Indagou, me fazendo bufar.

—Ela não está me enganando. Além do mais, se ela tem ou não autismo, é problema dela e não seu. Pare com isso! —Pedi, com minha voz ficando um pouco mais elevada. —Se acha que me contando isso vai mudar alguma coisa, saiba que não vai. Ela continua sendo a Hermione que eu conheci. Então o que quer que esteja tentando fazer agora, apenas pare!

—Você vai se arrepender de ficar com ela. E quando isso acontecer, não venha correndo para o meu colo dizendo que eu não avisei. —Afirmou.

Olhei pra ela por longos segundos, sentindo minha decepção por ela aumentar ainda mais. Eu não deveria esperar nada dela além disso. As vezes eu ainda imagino que a mãe que me criava quando meu pai estava vivo ainda existe  dentro dela. Amorosa, sorridente e compreensiva. Mas agora acho que tenho certeza que ela não existe mais.

—Ei, chefe, estamos com um problema ali na cozinha. —Alguém chamou, me fazendo arrastar a cadeira pra trás.

—Fique a vontade, mãe. Tenho que voltar a trabalhar agora. —Me  coloquei de pé, sentindo que algo estava se quebrando ali. —A gente se vê.

Caminhei em direção a cozinha, sentindo toda felicidade da noite anterior evaporar.

[...]

Olhei para Alfredo quando ele teve uma crise de tosse feia, fungando logo em seguida. Deveria ser a terceira ou quarta vez, mas ele continuava insistindo que estava tudo bem e que iria passar. Mas pelas caras e bocas que ele fazia, eu duvidava muito disso.

—Tomou os remédios que eu te dei? —Indaguei, vendo ele olhar pra mim com o nariz avermelhado.

—Sim. Eu vou ficar bem, relaxa. —Ele inclinou a cabeça, esfregando a testa ao mesmo tempo que fazia uma careta e digitava algo no notebook. —O cara que cuida do apartamento que fica aqui em cima da padaria esteve aqui mais cedo.

—Ele reclamou de alguma coisa? —Questionei, olhando involuntariamente para o teto.

Havia um solitário apartamento no andar de cima. Quando comprei a área da padaria, queria o apartamento junto, porque facilitaria demais a minha vida. Mas o dono não quis se desfazer dele, apesar de nem morar aqui.

—Não, ele só veio averiguar o estado do apartamento. Parece que o dono vai vir passar uns dias aqui em Aspen, com a namorada ou amiga, não sei. —Deu de ombros, fungando. —Só disse que não era pra gente estranhar o movimento.

—Vamos ganhar mais dois clientes. —Comentei, vendo ele balançar a cabeça em concordância.

Olhei para a porta quando uma batida soou, antes de ela ser aberta lentamente, por uma Hermione tímida. Soltei um suspiro, lembrando da última conversa que tive com a minha mãe, horas antes. O som das conversas na cozinha da padaria foi abafado quando ela fechou a porta de novo.

—Princesa, que bom que você chegou. Meu irmão está muito mal-humorado hoje. —Alfredo afirmou, me fazendo revirar os olhos e ficar de pé para ir até ela. —Nem parece que acordou felizinho porque você dormiu lá em casa.

Ela corou, olhando pra mim envergonhada quando parei na sua frente. Abri um sorriso, tocando o rosto dela e a puxando para um beijo. O que eu falei pra minha mãe era verdade. Eu não era cego e sabia que tinha algo de diferente nela. Desde o início percebi que ela era especial. Algumas vezes passou pela minha cabeça que ela poderia ter autismo. Mas eu jamais perguntaria isso a ela. Se ela tivesse e se sentisse segura em me contar, ficaria feliz. Eu amava a Hermione que conheci e esse pequeno detalhe não muda isso, porque ele faz parte do jeitinho dela.

—O que foi? —Indagou baixinho, quando percebeu que eu a estava encarando por muito tempo.

—Nada. —Sorri, puxando-a para um abraço. —Só estava com saudades.

—Você me viu hoje cedo. —Retrucou, passando os braços ao redor da minha cintura, enquanto esfregava a bochecha no meu peito.

—O quê que tem? Eu estava com saudades e estou até mesmo agora que você está aqui. —A apertei mais ainda, beijando o topo da sua cabeça. Ela ergueu a cabeça, corada de forma adorável, antes de segurar minha nuca e juntar nossas bocas.

—Vocês sabem... —Alfredo começou a tossir sem parar, fazendo nós dois nos afastarmos e olharmos pra ele. —Vocês sabem que eu tô aqui ainda, né? Mesmo adorando toda essa coisa melosa de vocês, me sinto um castiçal também.

—Um castiçal? —Hermione olhou pra mim com uma careta, parecendo não ter entendido o que ele quis dizer. Soltei uma risada e puxei ela pra mim de novo.

—Ignore ele. —Pedi, ouvindo Alfredo bufar do seu acento atrás da mesa. —E a sua mãe?

—Ela vai embora amanhã a noite. Comprou a passagem hoje. —Ela encolheu os ombros, parecendo triste. —Você vai comigo no aeroporto?

—Claro. Eu e o Alfredo vamos. —Afirmei, escutando meu irmão começar a tossir de novo, parecendo pronto para desabar no lugar. —Isso se ele estiver vivo amanhã.


Continua...

Docemente Apaixonados / Vol. 1Onde as histórias ganham vida. Descobre agora