Capítulo 22: Ele é importante pra mim.

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Fechei a porta de vez, me virando para ela, enquanto tentava soltar a coleira de Azeitona, que não parava de latir na direção dela, como se pressentisse o clima tenso.

—Pensei que você chegaria só amanhã. —Afirmei, soltando Azeitona e o segurando para que ele não fosse pra cima dela. —Calma, garoto. Você a conhece, não precisa ficar bravo.

—Eu ia fazer uma surpresa. Pensei em chegar hoje e... —Ela ficou de pé, dando de ombros. —Você não estava em casa. Tive que usar minha chave para entrar. Mandei mensagem pra você e esperei... o dia todo, Hermione.

O calor subiu pelo meu corpo e se concentrou nas minhas bochechas, enquanto eu esfregava a testa, tentando entender o que havia acabado de acontecer ali. Minha mãe estava muito bem, aparentemente. Mas estava brava, porque eu já conhecia aquela expressão muito bem para saber. Brava, frustrada e confusa. Seus cabelos castanhos estavam presos e ela usava um simples vestido azul. Parecia tão comum e tão brava ao mesmo tempo.

—Aonde você estava, Hermione? —Ela olhou o relógio no pulso. —Já passa das dez horas.

—Eu sei. Eu sei. —Repeti, finalmente saindo do lugar. Tirei minha bolsa e joguei no sofá, esfregando meu rosto com as mãos de novo, tentando simplesmente clarear minhas ideias. —Eu estava com uns amigos e...

—Que amigos? —Ela me olhou de olhos arregalados. —Desde quando você sai com alguns amigos? Você não falou que estava fazendo amizades e...

—Bem, eu não falei exatamente por isso! Porque você fica tendo crises de preocupação e me sufocando. —Afirmei, soltando o ar com força. —Se eu soubesse que viria hoje, tinha ficado em casa. Não fazia ideia que vinha. Não pode ficar chateada...

—Sim, eu posso. Você sai o dia todo, não responde minhas mensagens e agora está fazendo amizades com pessoas que eu nem sei quem são! —Exclamou, me fazendo encolher no lugar.

Nossa, queria poder voltar no tempo. No exato ponto que estava jantando, ouvindo as risadas de Alfredo e apreciando cada mínimo contato que tinha com Pietro, como a coisa mais preciosa.

—Mãe, por favor... eu só sai pra passar o dia com uns amigos. Não foi nada demais. Eu os conheço e eles jamais me machucariam. É sério. —Tentei ficar calma, enquanto minha pulsação acelerava. —Eu não falei pra não te deixar preocupada. Desculpa não responder suas mensagens. Não lembrei do meu celular e...

—Onde vocês foram?

—Uma fazenda e...

—Ah, uma fazenda? No meio do mato? —Indagou, fazendo meus olhos se fecharem com força. Azeitona voltou a latir na direção dela e eu só queria que aquilo acabasse. Queria parar aquele tempo.

—Era aniversário de casamento dos pais deles. Não precisa ficar maluca, mãe. Só almocei com a família deles, vi algumas coisas na fazenda e então a gente voltou pra cidade! —Afirmei, puxando uma das minhas tranças com força, como se aquilo fosse suficiente para aliviar a tensão. —Conheço o Pietro a um tempão. Ele trabalha no café que eu frequento todo dia. A gente se aproximou aos poucos. Somos amigos. Muito amigos. Ele me convidou pra um aniversário no meio da semana também. Não tem nada demais acontecendo.

—Hermione... —Não ouvi o que ela disse, porque estava ocupada olhando para as paredes do apartamento. Limpas. Tão limpas. As cores creme tão evidentes em cada ponto, estavam me deixando praticamente sem ar.

—O que você fez? —Soltei uma respiração pesada, girando e girando para ver cada parede. Disparei até o quarto, abrindo a porta e encontrando meu quarto todo organizado e com as paredes limpas também. —Você tirou tudo? —Voltei pra sala, parando ao ver a sacola cheia de post its perto da porta. Meu coração caiu dentro do peito. Despencou. —Por que... por que tirou todos eles? Por quê?

—Os papéis? Porque não fazia o menor sentido tê-los em todo canto. Você não pode nem pendurar um quadro na parede, Hermione. —Afirmou, soando um pouco resignada. —São só papéis. Você precisa parar com essa mania de colá-los em cada canto. Até na floricultura...

—Você esteve lá? —Minha voz saiu muito, muito baixa.

—É claro. Eu fiquei preocupada. Queria saber onde você estava. —Ela fechou os olhos, esfregou as têmporas e voltou a olhar pra mim. —Entendo essa sua mania. Mas é demais. Estava demais. Não havia mais lugar sem esses papéis. Daqui a pouco você estaria colando-os nas janelas.

—São meus! Você não pode simplesmente mexer e achar que está tudo bem! —Eu mal conseguia respirar ao falar. Corri até a sacola, abrindo-a e começando a vasculhar em meio aqueles post its.

—Hermione, a maioria dessas coisas não fazem nem sentido. —Ela puxou um post it que eu nem vi que estava sobre o sofá. —Obrigado, gatinha. Por que escrever isso?

Meu Deus, eu queria gritar. Eu queria tanto gritar com ela. Mas a vergonha me consumiu naquele momento. Era só uma frase idiota. Mas eu não conseguia. Eu simplesmente precisava escrever. Eu precisava. Era mais forte que eu.

Comecei a tirar os post its da sacola, procurando e vasculhando as frases em cada um deles. Haviam tantas frases, tantas coisas que eu nem lembrava. As lágrimas estavam borrando meus olhos. Eu estava sufocando. Minha mãe estava me sufocando de novo.

—Hermione, fale comigo! —Minha mãe tocou meus ombros. Mas me afastei, puxando o post it meio amaçado que tinha a assinatura de Pietro, do primeiro jantar, do primeiro contato verdadeiro que tive com alguém.

—Pare! Me deixe em paz! —Exclamei, agarrando aquele único papel. —Eu não tenho 5 anos! Pare de me tratar como uma criança idiota que precisa ser controlada! Apenas pare com isso! Pare de brigar comigo! Pare de me exigir as coisas! Pare de mexer nas minhas coisas!

—Hermione... eu só me preocupo com você. Eu só quero proteger você. Me perdoe se estou te sufocando. Mas você precisa conversar comigo. Precisa me contar as coisas. —Afirmou, enquanto eu balançava a cabeça negativamente sem parar. —Você não se abre comigo. Eu sempre descubro as coisas sem querer ou pelo seu pai.

—Porque você me sufoca! Esta fazendo isso agora, mãe! —Sussurrei, esfregando minhas bochechas para secar as lágrimas. —Eu estou cansada, está bem? Eu só estou tentando ser normal! Estou tentando sair dessa bolha que eu sempre vivi. Estou tentando fazer amizades e tentando coisas novas. —Fechei meus olhos com força, com o ar preso na minha garganta. —Pietro é meu amigo. Ele é importante pra mim. Já saí com ele várias vezes e vou sair de novo. Ele nunca me machucou e tenho certeza que não vai fazer isso. Então, por favor, para com isso. Para de controlar minha vida!

Virei as costas, caminhando em direção ao meu quarto, com o coração martelando no peito e o peso do mundo todo sobre meus ombros.

Preciso das minhas músicas clássicas. Preciso do meu cachorro. Preciso dos meus post its. E preciso desesperadamente de Pietro.

—Hermione? —Entrei no quarto, segurando a maçaneta, pronta para fechar a porta na cara dela.

—Eu quero dormir. Estou cansada. Amanhã a gente conversa. —Declarei, chamando Azeitona para que entrasse no quarto.

—Tudo bem. —Ela exibiu uma expressão dura e ao mesmo tempo decepcionada. —Só me diga uma coisa. Ele sabe? —O sangue sumiu do meu rosto quando voltei a olhar pra ela. —Ele sabe que você tem autismo?




Continua...

Docemente Apaixonados / Vol. 1Where stories live. Discover now