3. Don't Be Shy

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"Você sabe que o amor é melhor que uma música

O amor é onde todos nós pertencemos

Então não seja tímido, apenas deixe seus sentimentos rolarem

Não se vista de medo ou ninguém vai saber que você está aí"

Don't Be Shy - Yusuf / Cat Stevens

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Ele não estava na livraria naquela tarde quando ela chegou, e Cecília sentiu uma mistura de sentimentos contraditórios, desde alívio até decepção.

Não entendia por quê, mas não ver o rosto dele ali a deixara um tanto melancólica. Tinha se acostumado tanto com a presença dele, que não vê-lo andando por ali era estranho. Porém, ao mesmo tempo, sentia-se um pouco mais tranquila, pois poderia ler seu livro sem distrações.

E aquele homem sempre a distraía mais do que o normal.

Cecília ficou quase meia-hora ali, lendo e completamente alheia a tudo ao seu redor. Estava quase pronta para ir embora, apenas esperando chegar ao fim do capítulo que lia.

Quando finalmente terminou aquele capítulo e fechou o livro - ela estranhava como ninguém nunca o tirava dali ou desmarcava a última página que ela lera - , algo fez com que desistisse de se levantar daquela poltrona.

Era a voz dele.

O som vinha de um outro corredor, escondido entre várias estantes de livros que a impediam de vê-lo. Outra voz acompanhava a dele, um pouco mais infantil. Cecília ficou atenta à conversa, e logo percebeu que ele falava com alguma criança. Sentia-se uma intrometida por continuar ali, escutando tudo, mas o jeito com que ele falava com a criança a prendeu completamente ali, e ela se pegou sorrindo com tudo aquilo e imaginando as expressões que ele fazia ao dizer aquelas coisas.

Charles, era esse o nome do garoto com quem ele falava. Parecia estar indicando algum livro para a criança, e ela teve de controlar seu entusiasmo quando ele mencionou livros que ela já lera, falando deles com sentimentos quase iguais aos dela, demonstrando seu conhecimento sobre eles de um jeito que a deixava impressionada e com uma estranha excitação.

O que ela não daria para ter uma conversa sobre livros com ele! Mas, não, ela jamais conseguiria iniciar alguma conversa com aquele homem. A timidez e as inseguranças sempre a impediriam. Restava-lhe apenas observá-lo e ouví-lo de longe, mas até quando aguentaria aquilo? Passaria meses, até terminar aquele livro, indo até ali e reprimindo sua vontade de falar com ele?

Estava quase irritando-se com aqueles pensamentos, quando ele começou a dizer coisas de um modo tão engraçado que ela não pôde segurar um leve riso. Cecília levou as mãos à boca depois disso, mas continuou rindo baixo. Aquela conversa dele com a criança a deixava leve demais para sentir-se irritada. Ela apenas lamentava, mais do que tudo, não ter aquele tipo de conversa com ele e nem com mais ninguém. Ela não conhecia direito aquele rapaz e nunca trocara uma palavra sequer com ele, mas sentia que aquele era o tipo de pessoa que adoraria ter por perto.

Por que as pessoas interessantes sempre parecem tão distantes, enquanto as desagradáveis entram aos montes em minha vida? Ela pensou.

Cecília continuou escutando a conversa sentada no canto e, pelas palavras dele, começou a se perguntar se ele era o responsável pela livraria, e não apenas um funcionário qualquer.

Céus, sua louca, por que continua aqui? Ela perguntou. Apenas vá embora logo.

Logo mais um pensamento começou a incomodá-la: aquele garoto era o filho dele? Sentiu-se ainda mais paranóica por pensar tais coisas, mas logo aquela dúvida sumiu, quando ela escutou os dois falando sobre os pais do garoto.

Era estranho sentir-se aliviada por saber que aquela criança não era dele. O que estava acontecendo com sua mente naquele momento?

Ela sorria cada vez mais ao escutar as palavras dele e o modo que ele as pronunciava, tão divertido e, ao mesmo tempo, com um conhecimento admirável. Ela daria de tudo para conversar com ele sobre todos aqueles livros de alta-fantasia que o mesmo citava.

Mas Cecília decidiu que talvez fosse melhor ir logo embora, ao invés de alimentar esperanças vãs, que apenas a deixariam mais triste e decepcionada consigo mesma e com a vida. Ela não falaria com ele naquele dia, e assim continuaria sendo, até que parasse de vez com suas idas até aquele lugar, por mais aconchegante que ele fosse; às vezes, ela se sentia melhor ali do que em seu apartamento, solitária.

O que será que ele pensaria se ela iniciasse alguma conversa? Acharia que ela é chata e desinteressante? Estranharia uma esquisita como ela indo falar com ele e teria vontade de afastar? Ele seria capaz de desprezá-la? Eram muitos pensamentos negativos, e ela já não os aguentava mais.

Ela se levantou e foi até uma das prateleiras, onde guardou o livro que estava lendo.

Cecília ainda permaneceu parada de frente para a prateleira por um minuto. Ouvindo aquela conversa adorável entre um rapaz alegre e uma criança. Tudo aquilo a fazia sorrir, desde as citações de livros, até o jeito que ele tentava convencer e animar o garoto. Era como se ele próprio estivesse agindo como uma criança, e isso, de algum modo, a fazia se sentir um pouco mais leve.

Mas aquele era o tipo de pessoa que nunca falaria com ela. Ele provavelmente gostava de pessoas mais alegres, divertidas e falantes do que ela. Não tinha nenhuma chance de conversar com aquele homem. Mas, quando ela suspirou e decidiu ir embora de vez, seu coração quase saiu pela boca ao virar para outro corredor.

Cecília parou imediatamente de andar, e por pouco não bateu com o rosto no peito dele. Quando levantou os olhos, encontrou-o olhando para ela com uma expressão tão surpresa quanto a sua deveria estar. A garota quis que o chão desabasse ali mesmo e a engolisse. Ela nunca esteve tão perto dele como naquele momento, e não entendia como aquilo podia ser bom e intimidante ao mesmo tempo.

Ela poderia ter dito algo naquele momento, mas, como se tivesse sido pega em algum feitiço, parecia ter perdido completamente a voz.

Como você pode ser tão desastrada e tímida assim? Foi a única coisa que pensou naquele momento, além dele.

The Bookstore | Matt SmithKde žijí příběhy. Začni objevovat