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O corredor estava barulhento com tantas irmãs correndo até a central da capela para receber o Papa, enquanto isso minha ansiedade só aumentava. 4 irmãs já bateram na minha porta - que obviamente estava trancada - perguntando o porquê de eu não ter saído ainda, logicamente, eu não respondia. Apesar de meu silêncio, minha mente estava extremamente barulhenta, meu sentido aguçado me falava que algo ia dar errado, então apenas obedeci á minha mente.

Me distraí lendo o primeiro livro que peguei na estante e aguardei uns momentos antes de conferir se todas já tinham saído. Abri a janela com o maior cuidado possível para não fazer algum barulho, e pulei do segundo andar do dormitório ainda com o livro na mão. Apesar de ter dado uma certa cãibra no pé, consegui sair intacta e ir em direção ao mesmo jardim, onde ninguém me incomodaria. Deitei no tronco de uma laranjeira distante da entrada, com cheiro incrivelmente doce e respirei fundo antes de abrir o livro, minha mão tremia ao passar as páginas amareladas do mesmo mas ignorei o sentimento ruim. Tinha-se passado muito tempo desde que me tranquei no quarto, então o sol estava dormindo entre as montanhas, com belas nuvens rosas e roxas sendo desenhadas nos céus. Queria poder ficar congelada naquele momento, apenas eu e minha paz.

Tornei a ler a obra de Jacques Le Goff, totalmente concentrada no conteúdo sobre o cristianismo na idade média.

"No entanto, a cidade medieval conserva, e até reforça, uma mentalidade urbana que é uma parte importante da sua originalidade e de seu poder. "

-Sempre gostei de recitar Le Goff na minha infância. Eu lembro que minha professora me dava palmadas a cada vez que eu errava alguma linha. - Uma voz mansa surgiu atrás de mim, o que me fez tomar um susto enorme.

Me virei e encontrei quem eu mais temia. Sua casula era praticamente preta, com alguns detalhes em dourado, mas seu interior era um tom de roxo escuro. Diferente da casula, sua mitra era bordada detalhada e delicadamente também em dourado, com um símbolo da cruz invertida e um quarto de um círculo, e lá estava ele na minha frente: O Papa.

-Me desculpe se te assustei, não foi minha intenção. - Ele colocou a mão no peito e se sentiu arrependido. - Me chame de Papa Emeritus III, ou Terzo, como preferir.

Não, não, não, não! Aquilo não pode estar acontecendo! Vim pra cá justamente pra isso não acontecer.

-M-me desculpe se fui rude, Papa. - Me levantei e limpei as folhas de meu hábito preto. - Sou a Irmã Marianna. - Assim que ele ergueu a mão enluvada, entendi o sinal.

Com a mão trêmula, beijei as costas de sua mão, o homem parecia estar extremamente calmo e sereno, o contrário de mim.

-Você parece nervosa. Quer entrar pra dentro e tomar um chá?

-Não obrigada, estou bem. - Respondi rapidamente e ofegante. - Queria desculpar se não estive presente na cerimônia de chegada, não estive apta a participar no momento.

-Eu ficaria feliz se você participasse da minha primeira missa nessa capela. Adoraria a companhia de todas, inclusive a sua.

Aquilo me quebrou. Meu coração acelerou numa velocidade imaginável, eu não sabia o que fazer e muito menos falar.

-Te receberam bem? - Não queria parecer falsa, então falei a primeira coisa que viesse na minha mente.

-Incrivelmente bem, todas vocês parecem ser adoráveis. Aliás... me desculpe a pergunta, mas... quantos anos você tem?

Demorei um pouco pra raciocinar a pergunta.

-Tenho 21, Papa.

-Achei interessante você ser a única jovem da comunidade, comparando com as outras Irmãs. - Ele deu um pequeno sorriso por trás da pintura em seu rosto.

Sim, ele havia uma pintura preta e branca de caveira em seu rosto, mas não era muito detalhada, a forma de como os olhos foram pintados parecia que ele estava com raiva o tempo todo.

-É... geralmente me criticam muito sobre isso, acham que vou vandalizar nossa igreja.

-Não acho que você fará esse tipo de coisa, você me parece doce, Marianna.

Comecei a rezar desesperadamente uma Ave Maria mentalmente, torcendo para que aquela conversa acabasse logo. O Papa Emeritus III acabou de me chamar de doce?

-Obrigada, Papa Emeritus. - Sorri timidamente. - Acho que está quase na hora da missa começar, não acha melhor nos prepararmos pra isso?

-Oh, tem razão. Não perderia essa missa por nada. Te vejo por aí, Marianna. Foi um grande prazer te conhecer. - Ele fez uma breve reverência com a cabeça e voltou para dentro.

Não sei como ele tinha me achado ali naquele jardim, eu estava o mais longe que eu consegui. Continuei imóvel, mesmo depois dele ter ido embora, eu queria gritar até meus pulmões explodirem e minha garganta sangrar. Apertei a capa dura do livro até as pontas dos meus dedos ficarem brancas como papel, voltei pra dentro pisando duro, ansiosa para tomar um banho, na esperança de lavar todo meu nervosismo.


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Pecado DesejadoWhere stories live. Discover now