Vizinhos

17. Um baseado mofado influencia decisões ruins

Muitas coisas vinham acontecendo nos últimos dias. Eu vinha passando por um processo de acusação caluniosa e um processo de rejeição do meu vizinho gostoso. 

Desde o dia que transamos na minha mesa de jantar, ele vinha se esforçando muito para entrar em contato comigo. Mandando mensagem, ligando, batendo na minha porta, me chamando na varanda e até ficando de tocaia no elevador. Só que além de eu não querer olhar pra cara dele, também tinham muitas coisas para resolver no trabalho. 

Michael me enviou um link. Era uma entrevista com um dos escritórios que eu havia mencionado na minha matéria. 

Na entrevista a repórter perguntava: "Como vocês estão lidando com as acusações que vêm recebendo?"

A entrevistada era uma mulher elegante. Seu cabelo preto estava preso em um sleek bun. A raiz do cabelo tão alinhada quanto a sua postura. O queixo fino mantinha-se empinado e o seu nariz pequeno e arredondado trazia um ar de doçura ao seu rosto. Os lábios grossos destacados pelo gloss labial, traziam um sorrisinho quase imperceptível estampado. Ela respondeu:

"Já estão sendo adotadas as medidas judiciais adequadas aos responsáveis pela propagação da repercussão negativa que visou atingir e desmoralizar a credibilidade do nosso escritório." Ela alisou a lapela do blazer branco que destacava sua pele marrom dourada e seus olhos castanhos brilhantes.

A entrevistadora continuou: "É de conhecimento geral que o escritório Martins Assessoria Jurídica tem um grande renome no mercado. Além de ser conhecido pela sua alta porcentagem de processos ganhos, estão atuando desde 1939. Em contra partida, o jornal que iniciou com as acusações iniciou sua atividade há apenas cinco anos. As afirmações feitas pelo jornal O Anarquista causaram algum tipo de atribulação para vocês?

Dessa vez, a advogada que estava sendo entrevistada não conteve o sorriso largo e deu uma pequena olhadela para o lado, como se houvesse transmitindo para outra pessoa uma mensagem. 

"É impossível levar a sério esse tipo de coisa. Eles se auto intitulam anarquistas. Tudo o que esse povo quer é palco. A própria jornalista, — aqui a mulher fez aspas com os dedos o que me fez sentir a raiva subindo pelo pescoço em forma de calor.  — Que escreveu a matéria não passa de uma adolescente descontrolada. Soube que ela deu entrada no hospital naquela mesma noite em coma alcóolico." A mulher soltou um riso soprado em deboche e ergueu as mãos com as palmas para cima.
"Precisamos parar de dar palco para esse tipo de gente. A jornalista Marina Dubois, a mocinha que escreveu a matéria sobre meritocracia, esqueceu de citar que ela mesma só chegou até onde está porque a mãe dela, proprietária da vinícola francesa La Maison Dubois, foi quem pagou pela faculdade cara e pelo intercâmbio que ela fez logo após se formar.  Somos todos vítimas do capitalismo. A diferença é que alguns se orgulham de suas origens e outros se escondem atrás de um personagem."

A entrevistadora ergueu as sobrancelhas surpresa.

"Mas ela assina a coluna com o nome de Marina Serra. Seria um pseudônimo para esconder a sua verdadeira origem?"

A advogada sacudiu a cabeça e rolou os olhos um pouco impaciente antes de responder. 

"Serra é o sobrenome do pai dela. Acredito que ela tenha adotado essa assinatura porque não pegaria bem para um jornal independente como O Anarquista, ter uma jornalista de origem privilegiada criticando a classe onde ela mesma se enquadra. Você percebe que isso traria uma quebra na credibilidade do tipo de informação que eles disseminam?"

A jornalista concordou com a cabeça e a entrevistada continuou: 

"Está nítido para todos os que querem ver. Tudo o que vem desse jornalzinho virtual é barulho. Eles tem um nome apelativo, profissionais hipócritas e que nunca superaram a adolescência. Como a jornalista Marina Dubois que se comporta como uma jovem antagônica ao princípio de autoridade, tendo sido ela mesma beneficiada pela organização da sociedade da forma que a conhecemos. São mais um grupo de rebeldes sem causa."