7. O limão seco da geladeira também tem uma função

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A campainha tocou.

— Abre, Michael. — Seus olhos atravessaram a minha alma.

— A casa é sua e o namorado também.

— MEU DEUS, MICHAEL! Você é podre... — Ergui-me do sofá e abri a porta.

— Olá, gatinha!

— E aí. — Respondi o mais indiferente possível para o rapaz. Dei as costas a tempo de evitar o beijo que ele insinuou me dar ao curvar o corpo e voltando à sala me sentei no chão. Apoiei o computador na mesa de centro e comecei a digitar. Tiago cruzou a porta com o seu ar divertido e fechou-a.

— Fala, chefinho! — Ele estendeu a mão em um hi-five que Michael retribuiu de má vontade. — Posso sentir a animação no ambiente. — Disse ele de forma irônica colocando as mãos na cintura enquanto nos observava. 

Minha cabeça latejava e meu humor não era dos melhores. Não estava disposta a aguentar as piadinhas do Tiago no momento, então parei de digitar para encará-lo.

Ele era puro sorrisos. Emanava alegria nos seus 1,75 de altura. Os cachinhos escapando pelas laterais da touca. Os olhos cor de mel reluzentes sob a luz da manhã. E embora não quisesse vê-lo, não podia negar que estava cheiroso. Assim que adentrou a sala o perfume amadeirado seguiu-o despertando memórias das quais não queria lembrar no momento.

Ele tirou a mochila das costas, largando-a sobre o sofá.  Tirou do bolso frontal um maço de cigarro e seguiu para a varanda. Segui-o com os olhos até Michael cruzar o meu campo de visão. Assim que o rapaz fechou a porta da varanda, Michael disse:

— Não pode tratar o garoto assim porque  agora você tem um vizinho gostoso. Precisa falar para ele que não o quer. Ele não pode ler a sua mente.

— Eu não devo satisfações para ele. E ele tá acostumado a ser dispensado. — Observei-o através do vidro. Ele apoiava os cotovelos no parapeito, o corpo perigosamente inclinado para trás. Com um dos olhos fechados em função da claridade do sol, espiava a varanda de cima. Sua pele cor de âmbar parecia absorver toda a luminosidade do dia. Ele soprou a fumaça e então olhou diretamente para mim. Virei o rosto de volta para a tela do computador e não enxerguei nada além de pontinhos por causa da luz.

— Você é ridícula. — Michael fechou o notebook e também foi para a varanda fumar. 

A presença do Tiago ali me incomodava porque me lembrava exatamente do que eu era: uma puta sem coração. Diferente da garota que o João Pedro pensava que eu era. Algo no JP me desmontava e diferente da postura imponente que eu tinha quando o Tiago estava por perto, JP me fazia esquecer coisas básicas como andar e formular frases. 

— Conta para ela, Tiago. Sobre o cara no qual tu quase bateu o carro na saída da garagem. — Disse o Michael quando eles entraram novamente na sala. Tiago olhou do Michael para mim, sem entender.

— Eu estava entrando na garagem pra largar o meu carro na sua vaga, como de costume, e então um doente mental começou a dar ré como se não houvesse amanhã e se eu não tivesse sentado a mão na buzina, ele teria passado por cima de mim. — O rapaz sentou no sofá ao lado do Michael e começou a digitar no notebook. Michael ficou encarando-o até que o rapaz ergueu os olhos para ele. — Quê?

— E depois? — Michael induziu-o a continuar falando.

— Bom, eu desci para ver com o cara qual ia ser, afinal ele não pode ficar andando de ré pelo estacionamento. É pra isso que existem aquelas flechinhas no chão, para as pessoas seguirem na direção correta. E o cara desceu do carro cheio de poucas palavras dizendo que estava com pressa pois era veterinário e havia tido uma emergência na clínica. Fala sério... que mané! — O rapaz bufou com desdém e continuou digitando. — Eu disse pra ele: todo mundo tem uma vida pra salvar, cara. As leis de trânsito se aplicam a todos sejam eles veterinários ou não. Eu também tô com pressa pra ver a minha gata.

VizinhosWhere stories live. Discover now