4. Reunião de Condomínio, Vodka e Elevador

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Chegando ao terraço com um sorriso bobo no rosto, passei despercebida pelos condôminos. O mais despercebida que uma garota de cabelo azul pode passar. Mas olhar atravessado nenhum me tirava do rumo da minha missão.

Cheguei ao guarda-corpo e observei a movimentação da rua na procura da famosa mãe da Ana Clara. Após alguns minutos, um carro preto parou em frente a portaria do prédio e vi o rapaz sair com a menina no colo. Ela agarrou o pescoço do pai e entrelaçou as pernas ao redor do corpo dele em um abraço longo. Então abriu a porta do carona e entrou no carro. O vidro da motorista baixou e ele apoiou uma das mãos na janela, inclinando o corpo. Passou a mão livre por entre os cabelos, no seu movimento típico. Então o vidro subiu e o carro começou a andar. Ele acenou para o carro até ele dobrar a esquina e entrou no prédio.

Com o terraço vazio, adentrei o salão de festas. As cadeiras haviam sido organizadas em várias fileiras, uma atrás da outra, como em uma assembléia o uma igreja. Procurei por dois lugares vagos nas últimas fileiras e me sentei.

- Boa noite, queridos! - Disse a dona Cátia, proprietária do prédio. Dona Cátia, devia ter seus quase 70 anos e era uma senhorinha muito simpática e amável, embora um tanto quanto conservadora. - Temos algumas pautas importantes para discutir essa noite, então a reunião pode se estender mais do que normalmente se estende.

Abri a garrafa de água para começar a beber, já tomando ciência de que seriam pautas inúteis e que independente do quanto discutíssemos não chegaríamos a comum acordo, mas lembrei que JP sentaria ao meu lado e passaríamos um longo tempo próximos, então fechei a garrafa sem dar um único gole.

"Passarei a palavra para a Josi, nossa síndica. Peço a atenção e colaboração de todos."

- Boa noite! - Iniciou Josi e eu escorreguei na cadeira, cruzando os braços no peito. - O senhor Paulo, do 208, pediu para lembrar-lhes de que é proibido fazer barulho de obras a partir das 12h de sábado. Então organizem-se para que esse tipo de função ocorra somente durante os dias úteis e na parte da manhã de sábado.

"Dando início as nossas pautas. Vamos discutir sobre a reforma do estacionamento." Seguiu-se então uma longa discussão sobre a compra de tintas para a marcação das vagas e construção de um telhado para as vagas externas. A compra das tintas fora aprovada e teríamos um acréscimo na próxima fatura do condomínio, mas o projeto para construção da cobertura ficou em stand-by , como das últimas 10 reuniões. Ao longo da conversa, lancei olhares ansiosos para a porta do salão, mas nem sinal do rapaz.

"Seguimos para a nossa segunda pauta, as cotações de empresas que prestam serviços de segurança." - Continuou Josi, com um brilho nos olhos.

- Perdi algo importante? - O rapaz esgueirou-se por entre as cadeiras e sentou-se ao meu lado.

- Votaram sobre a compra de tinta para reforma da marcação das vagas. Foi aprovado. E agora estão discutindo os orçamentos de empresas de vigilância.

- E o que você acha? - Perguntou ele olhando em volta, observando os presente.

- Acho que deveriam investir mais nisso do que na extravagante decoração de natal da portaria e corredores, mas não sei se será aprovada. Pode aumentar de forma fixa a taxa do condomínio e esse é sempre um assunto polêmico.

- Cheguei na melhor hora, então? - Ele escorregou na cadeira e passou o braço por trás de mim, senti o peso descansar no encosto da minha cadeira de plástico. Sorri tentando parecer indiferente, mas podia sentir meu coração batendo muito mais alto do que deveria.

- Peço a colaboração de todos, por favor! Mantenham a calma e o respeito. É preciso ponderar todas as opiniões. Peço que reflitam sobre os pontos levantados e voltaremos a discutir esse assunto na próxima reunião. - Ela pigarreou e ajeitou a gola da blusa social, visivelmente nervosa com o alvoroço que essa pauta causou nos moradores. - Falaremos a seguir sobre a separação e descarte correto de resíduos.

VizinhosWhere stories live. Discover now