9. A culpa, definitivamente, nunca foi das estrelas

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Acordei com o som de batidas insistentes na porta. Ignorei as primeiras com a desculpa de que estava de ressaca, mas, em tempo, lembrei que resisti ao impulso de beber toda a garrafa de tequila. Refleti o porquê estava com tanto sono então se havia ido dormir antes das 22 horas. Ouvi mais batidas na porta e virei na cama, dando de cara com o relógio que marcava 3 horas e 22 minutos. Ao lado do relógio, uma xícara de chá de camomila.

Sorri ao pensar no que o Michael diria sobre isso. Eu, na cama às 22 horas de uma sexta-feira, com uma xícara de chá. Ou melhor, desmaiada de sono às 3 horas da manhã e não desmaiada de bêbada. Estaria eu me tornando uma pessoa melhor?

Mais batidas interromperam a minha reflexão e me dando conta de que a pessoa estava sendo muito insistente em um horário muito peculiar, me levantei metade aborrecida, metade preocupada.

Abri a porta pronta para xingar qualquer amigo bêbado e lhe passar um sermão sobre o quanto uma xícara de chá também pode ser reconfortante na sexta-feira à noite, mas para a minha surpresa, era o João Pedro. Não que eu já não estivesse acostumada a vê-lo na minha porta, mas desta vez, ele estava com a Ana Clara, sua filha, no colo. A menina vestia um pijama azul escuro com diversos planetas multicoloridos estampados e descansava o rosto no ombro do pai. Ele tinha uma expressão séria e preocupada que me deixou em alerta.

- Sempre elegante. - Ele disse ao percorrer o meu corpo com os olhos. - Mas me decepciona saber que você prefere o Tupac. Todo mundo sabe que o Notorious era o melhor.

- Eu não entendi metade das palavras dessa sentença. - Desviei os olhos para a minha roupa e então me dei conta de que vestia uma camiseta tamanho gg de algum cantor de rap dos anos 90 que cobria-me até os joelhos. - E eu não faço ideia de como essa camiseta foi parar no meu armário.

Ele riu e então a menina ergueu o corpo, esfregou os olhos e voltou a deitar no outro ombro do rapaz.

- Tá tudo bem?

- Sim. - Ele fez uma pausa. - Na verdade, não. - Completou e sacudiu a cabeça como se quisesse clarear os pensamentos. - Estamos bem, mas eu queria te pedir um grande favor. - Um pouco sem jeito, com a mão que ele não segurava a menina, ele jogou o cabelo despenteado para trás. A sua aparência era muito semelhante àquela da manhã em que acordamos juntos. - Me desculpe pela hora, eu não imaginei que você já estava dormindo.

- Sem problemas. Do que você precisa?

- Você tem como ficar com a Clara por algumas horas? - Ele umedeceu os lábios notavelmente nervoso com o pedido. - Arrombaram a clínica e eu preciso ir lá para resolver algumas burocracias. Me ligaram agora da empresa de segurança.

- Eu...

- Eu não sabia para quem mais pedir, você é literalmente a única pessoa que eu conheço aqui na cidade. A mãe da Clara está em uma viagem em outro estado e vai levar pelo menos umas 6 horas para chegar aqui.

- É que eu não sei como cuidar de uma criança. - As narinas dele se dilataram e eu podia notar o desespero nos olhos dele. Respirei fundo e assenti com a cabeça, esticando os braços para pegar a menina. - Tudo bem. Eu posso fazer isso.

Ele suspirou aliviado e então pegou-a por debaixo dos braços, deu-lhe um beijo muito fofo no topo da cabeça e entregou-a a mim. Mais rápido do que eu esperava, ela se aninhou no meu colo e escorou a cabeça no meu ombro. Seu corpinho tão quente e pequeno era reconfortante a assustador.

- Este é o meu número. Me liga se precisar de algo. - Ele me entregou um cartão da clínica onde havia o nome dele, o número do CRMV e um QR Code. - É só scannear.

- E o que eu digo pra ela quando ela acordar? Ela não vai, tipo, chorar e tal?

Ele riu.

- Dificilmente. Você só precisa ter em mente duas coisas: não deixe ela colocar fogo no prédio e não deixe ela colocar fogo em você.

VizinhosWhere stories live. Discover now