Prolongo

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Todo mundo sabia que Camila Cabello era bastarda.

Todos os criados tinham consciência disso. Mas eles amavam a pequena menina. Tinham começado a amá-la desde que ela chegara a Penwood Park, aos 3 anos, numa trouxinha enrolada num casaco enorme, deixada nos degraus da entrada da casa numa noite chuvosa de julho. E, como a amavam, fingiam que ela era exatamente o que o sexto conde de Penwood dizia que ela era:

a filha órfã de um velho amigo.

Não importava que os olhos castanhos-musgo e os cabelos castanhos-escuros fossem muito parecidos com os do conde, nem que o formato de seu rosto lembrasse de forma impressionante o da recém-falecida mãe do conde, ou que seu sorriso fosse uma réplica precisa do da irmã dele.

Ninguém queria magoar a jovem – ou arriscar o emprego – fazendo esse tipo de observação.

O conde, um certo Alejandro Estrabão, nunca falava sobre Camila ou suas origens, mas devia saber que ela era sua filha bastarda. Ninguém tinha conhecimento do que estava escrito na carta que a governanta descobrira no bolso da menina quando ela fora encontrada naquela noite chuvosa. O conde queimara a correspondência alguns segundos depois de ler. Ficou observando o papel desaparecer nas chamas e então ordenou que preparassem um quarto para a criança na ala infantil. Foi onde ela permaneceu desde então.

Ele a chamava de Karla Camila, e ela o chamava de “milorde”, e os dois se viam algumas vezes por ano, sempre que o conde vinha de Londres, o que não acontecia com muita frequência. Mas – talvez o mais importante – Camila tinha consciência de que era bastarda.

Não tinha muita certeza de como sabia, só que sabia, e provavelmente soubera durante toda a sua vida. Tinha poucas lembranças anteriores à sua chegada a Penwood Park, mas se recordava de uma longa viagem de carruagem pela Inglaterra e também da avó, tossindo e arfando, parecendo muito magra, dizendo que ela ia morar com o pai. Mais do que tudo, ela se lembrava de ter ficado parada nos degraus da entrada sob a chuva, sabendo que a avó estava escondida nos arbustos esperando para ver se a menina seria levada para dentro da casa. O conde tocara no queixo da menininha, virara seu rosto para a luz e naquele momento os dois souberam a verdade.

Todo mundo sabia que Camila era bastarda, ninguém falava sobre isso, e todos estavam bastante satisfeitos com essa situação.

Até que o conde decidiu se casar.

Camila ficara muito satisfeita com a novidade. A governanta dissera, que o mordomo dissera, que a secretária do conde dissera, que o conde planejava passar mais tempo em Penwood Park, agora que decidira ser um homem de família.

Embora Camila não sentisse exatamente falta do dono da casa quando ele não estava – era difícil sentir falta de alguém que não lhe dava muita atenção mesmo quando se encontrava no mesmo ambiente que ela –, a menina achava que poderia vir a sentir saudade dele se tivesse a oportunidade de conhecê-lo melhor, e que, se o conhecesse melhor, talvez ele não viajasse tanto. Além disso, a arrumadeira do andar de cima comentara que, a governanta comentara que, o mordomo dos vizinhos comentara que a pretendente do conde já tinha duas filhas mais ou menos da idade de Camila.

Depois de sete anos sozinha na ala infantil, Camila estava encantada.  Ao contrário das outras crianças do distrito, ela nunca era convidada para festas e eventos locais. Ninguém nunca chegara a chamá-la de bastarda – o que seria o equivalente a chamar o conde de mentiroso, já que ele declarara que Camila era sua pupila e depois nunca mais tornara a tocar no assunto. Mas, ao mesmo tempo, ele jamais fizera qualquer tentativa a sério de forçar que a aceitassem. Assim, aos 10 anos, os melhores amigos dela eram criadas e lacaios, e seus pais poderiam muito bem ser a governanta e o mordomo.

Meu Verdadeiro AmorWhere stories live. Discover now