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Terminamos de rezar a Ave Maria e fiz o sinal do Pai Nosso em meu busto. As outras Irmãs tinham ido embora da igreja, mas eu fiquei ali, sentada e sozinha, com meu terço dourado na mão, com todos os olhares dos santos fixados em mim. Os vitrais iluminavam os bancos e o assoalho do local, fazendo do chão um verdadeiro arco-íris. Fiquei sentada ali por mais um tempo, apenas apreciando o silêncio do lugar, na maioria das vezes, passava alguém da comunidade e me dava um comprimento. Cansei de ficar ali e fui para os dormitórios onde as irmãs ficavam. Era exatamente meio dia, um cheiro maravilhoso de almoço pairava no ar, que fez meu estômago roncar de fome, já que eu fiquei de jejum a manhã inteira.

Assim que abri a porta do refeitório, logo notei alguns olhares das irmãs se virando pra mim, fiquei envergonhada imediatamente. Eu era conhecida dentro da comunidade por ser a Irmã mais jovem, que decidiu se converter mais rápido com apenas 21 anos, mas fui forçada e obrigada pelos meus pais; Eu realmente não queria estar ali, simplesmente não era minha praia, todos ali pareciam me odiar por ser uma jovem 'santa', ou como se eu fosse fazer algum vandalismo com aquele lugar. E por que eu faria? Aquela igreja era gótica, já tinha um aspecto meio "sombrio", quase todo o interior era em tons escuros de marrom, cinza, preto e vermelho.

Peguei meu prato e me servi do delicioso purê de batatas com frango grelhado e me sentei numa das mesas afastadas da multidão, observando todas conversarem alegremente sobre seus dias.

-Irmã Marianna, o que está fazendo aqui sozinha? - Irmã Cecília puxou a cadeira e se sentou ao meu lado.

Uma coisa que eu gostava nela era a forma de como a batina preta destacava mais sua pele branca como leite, já havia um tempo que Irmã Cecília não tomava um banho de sol. Sempre sorridente e amigável com as outras pessoas, ela exalava uma energia subitamente boa.

-Minha bateria social acabou hoje, me desculpe Irmã. Não sei se quero socializar tão cedo.

-Não se preocupe, meu bem. Ficou sabendo da novidade? - Seus olhos brilharam intensamente. - Ouvi dizer que vai vir um novo Papa pra nossa igreja!

Estranhamente aquilo me interessou. Apoiei o corpo pra frente para ouvir mais sobre o assunto.

-De onde ele é? - Dei uma garfada no frango suculento.

-O supervisor disse que ele é da Suíça. Fala cinco idiomas e se formou em teorismo.

Clichê. Há um bom tempo que nossa igreja não recebe alguém tão importante assim, então seria bom passar o tempo fazendo os preparativos para sua chegada. Não tinha nada de tão interessante pra fazer naquele lugar além de rezar e fazer jardinagem, ao mesmo tempo que era uma verdadeira paz, era extremamente chato. 

-Já tem previsão de chegada?

-Essa semana, a qualquer momento. Temos que recebê-lo muito bem, aposto que ele vai adorar conhecer alguém como você, Marianna.

-Não sei não, Irmã Cecília... minha reputação aqui não é uma das melhores, todas parecem ter algo contra mim. - Ajeitei minha franja. - Não duvido que o Papa vá sentir algo diferente.

-Por favor, não fale assim. Deus sabe os planos que ele trouxe para nossa comunidade.

Assenti silenciosamente com a cabeça enquanto focava em terminar meu almoço.

-Sabe onde me encontrar, não é Irmã Marianna? - Ela me encarou com um sorriso iluminando seu rosto.

-Sei sim, Irmã Cecília. Obrigada, fique com Deus. - fiz uma breve reverência e voltei a comer meu almoço em paz.

Apesar do almoço rápido, o resto do dia não foi nada tranquilo, montamos o altar de acordo com a cor da liturgia do mês e adicionamos alguns adereços a mais para a chegada do novo Papa. Eu sempre ficava impressionada em como aquela igreja era enorme e impressionantemente linda, com verdadeiros toques góticos e medievais,  era uma construção antiga, os santos ajoelhados ou em pé, dava o toque especial ao lugar.

Assim que deixei o altar, fui direto para o jardim dos fundos, era meu lugar de escapatória preferido. Todo aquele verde misturado com os tons vivos das flores era a solução para o meu mar agitado, apenas o silêncio e o assobio dos pássaros sabiam como me deixar calma. Me aproximei do lago artificial onde vários peixinhos laranjas nadavam em círculos, apenas preocupados em receber comida. Comecei a pensar no que motivou meus pais a me colocarem aqui. Não era esse o futuro que eu queria, pretendia me formar na faculdade primeiramente, mas algo no ponto de vista deles mudou. Eu estava nervosa com a chegada do Papa, seria extremamente bom pra mim ver alguém novo, eu conseguia reconhecer cada Irmã pelo seus passos, pensei nas mil possibilidades de algo dar errado. Meu peito queimava e eu sentia vontade de gritar até o eco chegar nas cidades mais próximas. 

-Irmã Marianna? Como estão os preparativos? - Me assustei com a voz da Irmã-Chefe, a Ângela.

-Está tudo de acordo com o que a senhora pediu. Não acha que devemos fazer uma surpresa pra ele?

-Tarde demais, Papa irá chegar em duas horas.

Meu coração subiu até minha garganta e senti que iria vomitar a qualquer momentoO quê?! Ainda não me preparei pra isso, oh Deus. Minha cabeça começou a girar e um zunido invadiu meus ouvidos, se eu ouvisse mais uma palavra sobre o novo convidado, eu iria desmaiar.

-...Marianna, está me ouvindo? Irmã Marianna!

-Pode deixar, senhora. Vou fazer de tudo possível para nada dar errado. - Não escutei absolutamente nada do que ela disse então dei um sorriso amarelo e fiz uma reverência. - Com licença.

E saí ás pressas do jardim, indo diretamente ao meu dormitório, me trancando lá e controlando minha respiração. Se acalme sua desgraçada! Me sentei na cama e esfreguei as mãos, que já começavam a ficar suadas. Não queria sair dali até a chegada dele, então apenas fechei as cortinas e me encolhi na cama. Caso alguém perguntasse sobre mim, eu inventaria alguma mentira esfarrapada.

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Pecado DesejadoWhere stories live. Discover now