O Passado Sempre Volta

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Faça parar.

É sua culpa.

— Não vai poder sair até eu ou Marcel virmos te buscar, ok? — Jace esperou alguns segundos por minha resposta e fechou a porta.

Corri até a porta que ficava dentro do quarto esperando que fosse um banheiro. E era. Abri a tampa do vazo com rapidez e expeli o resto de comida que meu corpo ainda mantinha guardado. Não estava bem alimentada, não saiu quase nada sólido, apenas líquidos de cores diferenciadas que deveriam ser água e sucos. Não houve tempo para comer a ceia que os Greene estavam preparando.

Os Greene. Dale. T-Dog. Engasgo com o meu próprio vômito antes de conseguir enfiar a cabeça na privada mais uma vez. Cada lembrança que surgia era uma lembrança dos restos que haviam no meu estômago.

Pare. Seu estômago vai doer se continuar assim. Não pode ficar fraca.

Levantei do chão com calma e fui até a pia. O espelho que estava na minha frente me mostrava o quão errada eu estava. Não estava bem, nem curada. Ainda há muita coisa quebrada aqui dentro.

Lavei o rosto e uma mecha de cabelo que estava suja de vômito. Voltei ao quarto e abri a janela para tentar me recompor. "Sentiu saudades, amor?" Porque diabos o passado sempre volta? Quanto mais eu tento apagar as minhas memórias mais elas me assombram.

Não me dei conta que estava chorando até observar a fronha do travesseiro molhada. Que se dane. Atirei o travesseiro no chão e deitei na cama esperando que as minhas lembranças parassem de ecoar na minha cabeça.

É sua culpa.

Seu pai queria você.

Agora seus amigos estão mortos.

Eu já não tinha mais lágrimas para chorar. Deixei que todas as memórias voltassem com força, todas elas. Uma após a outra. Meu corpo já não sabia como reagir diante de todas aquelas lembranças que surgiam. Apenas abracei os meus joelhos esperando que parasse.

Ouvi batidas na porta o que significava que alguém iria me buscar para interrogatórios e talvez, mais ameaças. Não me dei conta do tempo que eu fiquei estática.

— Posso entrar? — Uma voz femenina ressoou pelo quarto.

— Como se eu tivesse escolha. Entre.

Uma mulher loira de cabelos ondulados e olhos castanhos entrou no meu quarto sorridente.

—  Me chamo Lily, me pediram para te levar para a minha sala e te fazer as perguntas do procedimento.

Mais um lugar fechado. Literalmente sob custódia de todos esses babacas.

— Ótimo.

— Mas... — Lily continuou. – A julgar toda a atenção que foi dada ao grupo que você pertencia e ser trancafiada em um quarto, tomei a liberdade de te levar para o jardim principal. Conversar lá com ar fresco e sem paredes para te sufocar. Quando eu vim para cá não fui bem recebida e acho que o que você menos precisa agora é se sentir como uma prisioneira. Vamos?

Abeixei as pernas e encostei os pés no chão. O quarto estava uma bagunça, o banheiro sujo, tudo fora de ordem. Levantei e fui até ela sem dizer uma palavra. Lily sorriu quando nós duas saímos do quarto.

— Pensei que você fosse escolher esta opção também.

— Também?

— Seus amigos também já foram entrevistados. Vamos nos sentar naquele banco.

A mulher com traços de seu rosto bem desenhados apontou para o tal banco antes de começarmos a caminhar em direção do mesmo. Sentamos no banco e ela tirou uma caneta do bolso e posicionou a prancheta, que eu nem tinha sequer reparado, em suas pernas para dar apoio.

— Vamos começar —  a mulher disse em um tom suave realmente tentando me fazer ficar mais confortável, mas eu nunca ficaria confortável aqui.

— E se eu não quiser responder? — A mulher sorridente adquiriu uma expressão séria e respirou fundo.

— Facilite as coisas, Naomi. Não queira arrumar problemas com as pessoas daqui. Outras pessoas tiveram muitos problemas com a comunidade, problemas tão grandes que eu não posso menciona-las — Lili falou baixo e observando discretamente os arredores — Não faça isso, por favor.

— Por que está me ajudando? — a mulher não respondeu — Não tenho escolha, tenho?

— Segunda vez que você me diz algo do tipo.

— Porque é verdade.

— Nome completo?

— Naomi Scott Stark.

— De onde era?

— Atlanta.

— De onde especificamente? — Ela anotava as minhas respostas na prancheta.

— Atlanta — respondi em tom de deboche e ela apenas ignorou a minha resposta.

— O que fazia antes do apocalipse?

— Eu era uma marginal. Trabalhava com bandidos e vendedores ilegais de drogas. Roubava as vezes — Sorri no final da frase assistindo a mulher ficar desconfortável.

— Conhece alguém que está aqui? Sei que seu pai é o Salvador. As paredes aqui tem ouvidos e deixe-me ver — A mulher começou a folhear as outras folhas em sua prancheta — Aqui está. Maven disse que conhece seu pai, mas apenas de vista. Conhece mais alguém? —  Ela parecia estar dizendo a verdade.

Não sabem que eu conheço Jace? Meu pai não sabia disso, ou então não interessava a ele. Ela realmente não sabe se eu conheço mais alguém ou está procurando por algum sinal de mentira?

— Não.

—  Quais são suas maiores habilidades? —  Ri com a pergunta ao imaginar as possíveis respostas de Maven — Pode ser honesta.

— Vejamos... Sou boa em luta mano a mano, corro muito rápido e consigo passar por lugares estreitos, sou observadora e se eu conseguir observar bem onde estou consigo bolar algum plano bem rápido se estiver encurralada pelos mortos.

Também consigo fazer com que você pare de respirar antes que qualquer um chegue aqui, mas acho que ela não gostaria de receber essa informação.

— Interessante... — Lily dizia enquanto anotava as coisas no papel —  Matou alguém antes?

— Sim.

— Quantas? — Perguntou meio repreensiva.

— Uma, duasv— contabilizei nos dedos — Três... — sorri na tentativa de intimidá-la, o que parecia funcionar.

— Teve contato com os caminhantes? Como foi?

— Sim. Muito bem por sinal, sou boa em matar.

— Obrigada pelas respostas. Mais tarde irão bater na sua porta para te dar seu cargo por aqui e pela manhã irão te dar um quadro de horários e dias da semana que ocupará o cargo. Serão sempre bem observados pela comunidade e de acordo com a obediência irão se livrando da supervisão excessiva. Obrigada

Lily fez um sinal para que uma guarda de cabelos castanhos escuros viesse até mim.

— Antes de ir. Tente não vacilar. Deixem eles começarem a confiar em vocês, andem na linha. Vença.

Assenti com cuidado guardando cada palavra que Lily dissera. Uma possível aliada? Ou uma possível inimiga? A guarda de cabelos escuros chegou e pediu gentilmente para que eu me levantasse, firme e sem dar nenhum sorriso.

— Steinfeld a levará de volta ao seu quarto — A loira sorriu ao falar.

Dei de ombros e comecei a caminhar do lado da guarda que analisava cada movimento meu. Ao chegar no quarto ela apenas sussurrou:

— Faça o que Lily disse e talvez vença.

Por que estão me ajudando?

𝐖𝐚𝐫𝐫𝐢𝐨𝐫𝐬 - 𝐑𝐢𝐜𝐤 𝐆𝐫𝐢𝐦𝐞𝐬 (reforma) Where stories live. Discover now