Capítulo 1: Post-its.

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O post it roxo colado no meu espelho me diz que eu estou atrasada. Sim, muito, muito atrasada mesmo. 10 minutos e 56 segundos, para ser exata. Com um suspiro resignado, me vesti em tempo recorde, checando os outros post its do dia, mostrando cada passo que eu devo dar.

Alguns acham que eu sou maluca. Mas na verdade eu sou organizada. Escrever em post its o que preciso fazer, a cada momento do dia, me dá certeza que não perderei nenhum compromisso e terei tempo de sobra para meu momento imersa em um livro no final do dia.

Parei na frente do espelho, pegando a bandana florida e colocando no meu cabelo castanho claro. Meu rosto estava um pouco amaçado das horas de sono. Mas nada que um xícara de chocolate quente não resolvesse.

—Eu já estou indo. —Abri a porta do quarto, ouvindo o latido misturado com choramingo, do imenso labrador preto, com olhos imensamente castanhos que divide o apartamento comigo. —Eu sei, você está com fome e eu também. E ainda estamos atrasados, Azeitona. Preciso te deixar no pet shop e ir pro trabalho.

Azeitona me lançou um olhar apaixonado, que sempre fazia meu coração derreter. Por isso que eu amava animais, era fácil saber quando um cachorro estava feliz por tê-la por perto, e um gato estava entediado com sua presença. Já pessoas reais, é sempre difícil saber o que elas sentem. Principalmente pra alguém como eu, que as evita mais do que qualquer outra coisa.

Enchi o pote de ração dele, enquanto observava as marcações nos post its da minha geladeira, fazendo uma careta para a lista de compras que eu deveria ter comprado ontem no mercado, mas que simplesmente ignorei. Peguei a guia de Azeitona, que veio atrás de mim no mesmo instante.

—Vamos lá, parceiro. —Prendi nele e abri a porta do apartamento, sentindo vontade imediata de volta pra cama. —Hora de começar o dia.

Enquanto levava Azeitona para o pet shop, fiquei observando o movimento na rua naquele horário da manhã. Aspen era uma cidade acolhedora, que ficava repleta de turistas na época do natal, quando as ruas estão cobertas de neve. Essa era minha época favorita do ano, apesar de não curtir as ruas lotadas e os muitos turistas pedindo informação.

Deixei Azeitona no pet shop, sabendo que ele precisava muito de um banho. Enquanto ele tinha seu momento de beleza, eu precisava beber um bom chocolate quente e um donuts com muito chocolate e morangos. O Ice's Coffee ficava duas quadras do meu apartamento e no meio do caminho para minha floricultora. Era meu ponto de partida de toda a manhã.

Entrei no café com ar de anos 80, caminhado até um dos bancos vermelhos e me sentando ao lado da janela, onde eu podia ver o movimento da rua. Puxei meu celular do bolso, soltando um suspiro pesado.

Papai — Estamos embarcando para a Europa. Tem certeza que não ter pegar um avião e nos encontrar lá?
Uma semana na Itália pode ser uma boa pra você.

Fiz uma careta, mordendo o interior da bochecha. Meu pai e minha mãe já não eram mais casados a uns bons anos. Mais precisamente desde quando eu tinha quatro anos. Passei a maior parte da infância indo de uma casa pra outra, até meu pai se casar de novo e minhas visitas a ele diminuírem. Mas a culpa não foi dele.

Na verdade, Michele é adorável e sei que ele fez bem em se casar com ela. Mas minha mãe é... superprotetora, dona da razão e que adora decidir as coisas pelos outros. Não julgo meu pai por ter se separado dela. Quando fiz 10 anos, não aguentava mais minha mãe falando mal do meu pai o tempo todo. Então minha única opção, para evitar uma briga maior ainda, foi vir para Aspen morar com os meus avós.

Acho que essa foi a melhor escolha da minha vida. A segunda foi abrir uma floricultura em vez de ir pra faculdade. Não era muito a minha praia e não acho que deva ir só porque todos os jovens vão. Meus avós me apoiaram e me ajudaram a abrir a floricultura. Então lá estava eu, com 18 anos, recém formada no ensino médio, com meu próprio negócio.

Acho que não preciso dizer que isso não agradou minha mãe. Ela queria que eu saísse. Queria que eu me tornasse médica, ou engenheira e conhecesse mais pessoas. Como se meu ensino médio todo não tivesse sido uma merda. Mas sabe qual o problema? Quando tudo está indo bem, algo de ruim sempre acontece.

Primeiro foi meu avô, partindo silenciosamente durante a noite. Três meses depois foi minha avó. Eu estava ao lado dela dessa vez, em uma cama de hospital, depois de ela ter tudo um AVC. Dois anos depois, continuo indo no cemitério toda semana para levar flores novas.

Agora minha vida gira em torno da floricultura, do Azeitona, e de evitar as visitas da minha mãe. Ela mora em Boston. Mas vem me visitar sempre que pode. Não estou reclamando, eu a amo. Mas suas visitas nos finais de semana sempre acabam com ela arrumando uma forma de me criticar. Ela acha que eu não sou capaz de morar sozinha. Tudo bem, eu sequer consigo cozinhar sem quase colocar fogo na casa. Mas são dois anos sozinhas. E olha só, ainda estou inteira.

Hermione — Tenho que trabalhar.
Quem sabe na próxima?
Aproveita bem a viagem.
Manda um beijo para a Michele.
Te amo.

Soltei o celular sobre a mesa, deixando com a capinha de flores brancas virada pra mim, sentindo falta do meu pai. Ele passa a maior parte do tempo viajando e conhecendo outros países com a minha madrasta. Sempre que pode, vem me visitar, e não importa pra onde seja a viagem, ele também me convida pra ir. Mas eu nunca vou. Porque nunca me parece uma boa ideia. Gosto do meu apartamento silencioso e da quietude.

Olhei para o lado quando Pietro começou a se aproximar, abrindo o bloquinho e anotando meu pedido nele, antes mesmo de eu falar o que quero. Pois é, da pra ver como eu costumo variar bastante no café da manhã quando venho aqui. Mas sempre penso que se eu não provar nada novo, nunca vou me decepcionar com o gosto de algo.

—Um chocolate quente e um donuts de morgando com muito chocolate? —Ele ergueu os olhos avelã pra mim, que pareciam espelhar o por do sol, e abriu um sorriso caloroso. Sempre me perguntei se simpatia era algo comum entre os italianos, já que Pietro era sorridente e sempre gentil, não importava o quão chato o cliente era.

—Sim, por favor. —Murmurei baixinho, vendo ele assentir, passando as mãos nos cabelos escuros, sem deixar o sorriso morrer a medida que se afastava. —Obrigada, Pietro.

—As ordens, senhorita.

E eu acabei abrindo um sorriso também.



Continua...

Docemente Apaixonados / Vol. 1Where stories live. Discover now