Capítulo 31 - Inesquecível

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     — Quer saber? Nem sei porquê ainda faço questão de vir a esses malditos jantares. - vindo da cozinha minha tia finalmente aparece, provavelmente para dizer que o jantar está na mesa - Peço desculpas a você, Cassie, mas não há forma de isso dar certo. Isso nunca vai terminar bem. - me refiro ao homem que se diz meu pai e até mesmo ao meu tio que só se preocupa em me dirigir a palavra quando a esposa lhe obriga ou quando está precisando de alguma coisa. Às vezes sinto que ele é até pior que meu pai por seu carinho maquiado e por sua gentileza e educação não passarem de uma encenação e pura falsidade. Talvez o gênio ruim seja de família afinal, e infelizmente não posso negar que minha luta está sendo árdua para não me tornar um homem igual a eles. Não sei o que me faz ainda vir até aqui e ter alguma interação com eles, talvez seja a criança dentro de mim que pense que posso ter uma família normal, ou talvez seja apenas por pena de Cassie que apesar de seus defeitos está claramente sendo sugada pelas mentes problemáticas desses dois idiotas. Não conversamos tanto, mas posso ver às vezes seu pedido de socorro quando me chama para estar junto a eles nesses jantares vez por outra. Nem mesmo sei porque Desmond vem aqui sendo que tudo que faz é brigar, parece que seu coração – se é que ele tem um – é feito de ódio, e tudo que ele sabe espalhar é rancor, discórdia, raiva e amargura, sem alvos ou motivos aparentes ou necessários, é apenas o que ele faz, o que ele planta, e inevitavelmente, pelo menos de mim, agora é tudo que ele colhe e recebe também.

     — Me desculpe, querido, por ter colocado você no meio disso de novo. - Cassie diz ao me acompanhar até a porta.

     — Tudo bem, só espero que entenda que a menos que realmente precise, não voltarei aqui. Preciso ficar longe dele, dos dois na verdade.

     — Eu entendo. - ela me abraça e eu a abraço de volta desengonçada e desconfortavelmente. Me despeço com um aceno e entro no meu carro, respirando fundo antes de girar a chave na ignição e começar a dirigir rumo a minha casa.

     A imagem que vejo assim que abro a porta de casa faz o furor que pulsava em minhas veias fazer o caminho para fora do meu corpo rapidamente. É sexta-feira e Elizabeth voltou do trabalho comigo, direto para minha casa. Pedi que ela não fosse ao jantar porque não queria que ela presenciasse uma cena como a da última vez, disse que não iria demorar e que, se possível, gostaria de encontrá-la quando voltasse. E simples assim ela concordou. Agora minha namorada está deitada no sofá, a TV ligada em um filme qualquer enquanto ela dorme tranquilamente com uma mão embaixo da própria cabeça e a outra sobre a barriga, com o controle da TV quase escorregando de sua mão. Não posso negar o quanto tudo que inevitavelmente sinto quando a vejo ou quando estou perto dela me amedronta. Nunca me senti assim antes e é assustador. Tendo agora a medir cada palavra e ação quando estou com ela, porque mesmo com a terapia fazendo certo efeito e me ajudando, junto também com a ajuda de alguns remédios, não é fácil a luta dentro de mim, mesmo agora eu tendo mais certeza do que nunca de que o que menos quero é me tornar tão rude e amargurado quanto Desmond e tão egoísta quando Daniel, mesmo tendo certeza de que não quero mais afastar as pessoas e ficar sozinho, a luta que combato todos os dias comigo mesmo é custosa, árdua, fatigante. Me aproximo de Elizabeth com passos leves e lentos, procurando não acordá-la, me sento na beirada do sofá, perto de onde se recosta sua cintura, levo minha mão até seu rosto e calmamente acaricio sua bochecha com as costas das minhas mãos, meus olhos acompanhando o movimento enquanto desço o carinho por sua maxilar, sua mandíbula, seguindo por seu ombro, seu braço descoberto que está gelado fazendo os pelos se arrepiarem involuntariamente com meu toque, sigo o carinho contornando seu braço até chegar na sua mão que está pousada sobre sua barriga, pego o controle e me estico colocando-o na mesinha de centro delicadamente, e em seguida seguro sua mão na minha, acariciando seus dedos, sentindo vontade de beijar cada um deles, de senti-los novamente entrelaçados aos meus como está se tornando costume, um costume tão comum, mas que eu estou passando a gostar demais – não que eu admitiria todas essas coisas em voz alta tão cedo. Minha mão é apertada e entrelaçada a de Elizabeth como se ela tivesse lido meus pensamentos. Levanto a cabeça e quando encaro minha namorada ela está com os olhos levemente abertos, a expressão sonolenta deixando-a ainda mais bonita. Ela estica o corpo levemente se espreguiçando e sorri lindamente para mim. É como se  agora cada movimento seu se tornasse perceptível e gracioso aos meus olhos, e por mais idiota e piegas que isso pareça, eu não poderia ligar menos a cada vez que seus olhos encontram os meus e eu vejo aquele brilho apaixonado e o carinho que eles dirigem a mim – por menos merecedor de tal afeto da parte dela que eu seja – e quando ela me puxa pela camisa para que nossas bocas se encontrem em um beijo, sinto como se cada um desses pensamentos e sentimentos bobos, apaixonados e tão completamente malucos e desesperados fizessem parte dela também, e isso me faz feliz, verdadeiramente feliz. E no fim das contas esse é exatamente meu medo, gostar e me adaptar tanto a isso sabendo que por mais que eu tente as chances de eu estragar tudo são praticamente incontestáveis, e no fim eu vou voltar para o mesmo lugar de onde tudo isso começou: sozinho, amargurado, ressentido, sem esperança, odiando o amor, odiando amar.

I Hate That I Love You | H.S.Where stories live. Discover now