27🌑

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Akira

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Manon - eu faço uma curta reverência com a cabeça para a mulher parada a porta, e ela abre espaço para me deixar entrar.

O salão está escuro como sempre, iluminado apenas por algumas tochas que deixam o lugar mais quente. Está silencioso, e alguns curandeiros já trabalham em soldados golpeados na batalha, que ocupam quase todos os leitos.

Olhando mais uma vez para as pessoas nos leitos vou para um lugar mais reservado do salão, e fecho a cortina negra pesada que é usada para separar os leitos do restante do lugar. Prego os olhos por um segundo, e uma lágrima solitária desce pelo meu rosto involuntariamente. Tão cansado, tão cansado…

Mas eu já havia perdido tempo demais, e talvez aquilo não funcionasse mais por conta do tempo que eu me permiti perder. E, pelos deuses, eu espero muito que não seja tarde demais. Pelos deuses, se Kalel soubesse do que estou prestes a fazer...

Abro os olhos e enxugo o rosto, e em seguida tiro o pequeno frasco de dentro do bolso escondido na roupa. Estendo a mão para o leito a minha frente, e em questão de segundos o corpo surge. Respiro fundo mais uma vez, e o odor de sangue seco preenche o ar no momento em que abro o frasco e começo a trabalhar.

                            ***

Caminho com pressa pela cidade, o corpo cansado demais para teletransportar, e as asas feridas demais para voar por sequer um minuto.

Um garoto a mando de Scott levou a notícia até mim de que Jenny havia acordado e já tinha sido atendida pelo curandeiro. Eu saí correndo do escritório de Kalel, e o ouvi gritar comigo enquanto corria um quilômetro e meio. Depois daí eu deixei de escutar, mas aposto que ele continuou resmungando consigo mesmo.

Tive que contar a ele. Ele descobriria de qualquer jeito. Não recebi a punição que merecia, mas meus tímpanos quase estouraram com seus gritos incansáveis. Eu havia arriscado abrir portas para o inimigo, e aquilo era um erro que jamais se cometia. Nem em mil vidas.

Mas aquilo era guerra, e mandamos as regras a merda na guerra.

Quando enfim chego ao meu destino abro a porta de casa e subo correndo as escadas direto para o quarto em que os deixei mais cedo, e escancaro a porta assim que alcanço a maçaneta.

E lá está ela, sentada na cama com os cabelos agora claros molhados pelo banho, as asas recolhidas e um prato de alguma coisa apoiado nas pernas. Era a paz que eu precisava. Era o que eu precisava para saber que nem tudo estava perdido. O suspiro de alívio foi inevitável. Scott sai do quarto de fininho assim que entro, e fecha a porta sem fazer barulho  ao sair. Bom para ele. Muito bom para ele.

Assim que seus olhos - ainda brilhantes mesmo depois da batalha - encontram os meus, ela apoia o prato na mesa de canto e se levanta rapidamente, e eu cubro a distância entre nós com dois passos largos. Seus braços me envolvem no exato momento em que nossos corpos se chocam, e eu afago seu cabelo, não conseguindo evitar que mais lágrimas crescessem por meu rosto. Lágrimas de alívio.

-Acabou - ela sussurra - a gente conseguiu. - ela acrescenta com a voz fraca. A voz que eu esperei tanto tempo para ouvir; a voz que eu tive medo de não ouvir nunca mais.

Por isso, mesmo sabendo que a guerra estava longe de acabar, eu assinto para ela, porque não precisávamos lembrar daquilo. Não naquele momento. 

Com esse pensamento, tomo sua boca com a minha, e ela me corresponde na mesma hora, como se estivesse esperando por aquilo desde que me viu entrar no quarto. Ela me puxa para que se sente na cama com ela, e me abraça ainda mais forte, como se a distância entre nós mesmo que mínima não fosse aceitável.

Eu precisava mostrar algo a ela. Mas agora...agora…

Agora eu me permiti deixar que ela me levasse, e me fizesse esquecer o mundo por um momento.

*

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⏰ Last updated: Jul 02, 2021 ⏰

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Toque de RecolherWhere stories live. Discover now