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Scott

O ar volta a entrar em meus pulmões, e a espada que estava em minha mão finalmente desce pela cabeça do soldado que até então tentava tirar minha vida. Porém, antes mesmo que a lâmina o atinja ele despenca no chão. Morto. Morto por alguma força maior que os deuses daquela dimensão, uma força extraordinária...e é essa mesma força que me leva a olhar para o lado, me leva a olhar para o campo de batalha inteiro, apenas para ver centenas de soldados Glions mortos, e algumas dezenas dos nossos. Essa força que me faz caminhar, mesmo com o corte fundo na coxa e alguma parte do braço quebrado até meu líder.

Kalel ofega, mas se mantém ereto e com a espada em punho. Seu olhar no entanto é distante e passa direto por mim, indo em direção aos mortos. Eu me assustara quando o mesmo libertou a forma sombria e sem piedade para massacrar quem se pusesse em seu caminho, e precisara de alguns minutos para sair do choque inicial, e voltar a atacar quem estivesse em meu encalço. A batalha havia acabado. Mas não a guerra, vi em seus olhos.

Os Glions sobreviventes se apressaram pelo portal já aberto novamente; eram inteligentes demais para comprar uma luta que com certeza não venceriam, não com aquela desvantagem, e foram rápidos demais para que alguém os pudesse impedir de fugir.

Quando me aproximo o suficiente de kalel, ele se dirige a mim.

- Precisa ir atrás deles - ele diz, e o peso que eu tentava ignorar me atinge de vez - vai ter que voar até lá - ele olha para a grande montanha ao longe - tenho que ver quem consigo salvar. Salve eles, e não se dê outra opção.

Eu assinto, e antes que ele comece a caminhar em direção aos mortos, eu abro as asas e alço voo.

***
O

vento quase corta meu rosto ao tentar me empurrar para baixo, e o mesmo entra com dificuldade em meus pulmões tornando a subida ainda mais difícil. Em algum momento sinto um mal cheiro que me lembra carne podre, mas eu não paro para conferir o que quer que seja. É uma comparação idiota para se fazer no momento, mas eu já tinha lido tantas histórias e visto tantos personagens se darem mal pela curiosidade, que eu não cometeria o mesmo erro deles agora que estava dentro de uma.

Uma barreira invisível parece se quebrar quando passo de um ponto no ar em volta da montanha, e a subida se torna mais fácil e menos lenta, como se eu tivesse atravessado alguma linha que separava o difícil caminho Inicial do resto da jornada.

Eu bato as asas com mais força, e meus ossos doem mais a cada batida, a cara inspiração, mas eu não me permito perder o ritmo em momento algum, nem quando uma espécie de ave se choca contra minhas asas me fazendo urrar de dor.

E finalmente depois de quase meia hora, eu alcanço o topo da montanha, conseguindo pousar em terra firme. Meus joelhos ameaçam fraquejar e minha respiração já fraca se torna arquejante, a dor nas asas tornando mais difícil o ato de me manter de pé, e anuviando  minha visão a ponto de fazer o mundo girar ao meu redor.

Entretanto, meus olhos estavam bem o bastante para ver, no momento em que me permiti olhar para frente, Jenny e Akira deitados um ao lado do outro no chão. Imóveis.

Não, não, não...não poderia ser tarde demais, penso enquanto me aproximo aos tropeços dos dois, e no momento que me agacho no chão ao lado de Jenny, Akira abre os olhos e inspira com força.

***

-

O que fez com ela? - pergunto para ele assim que vejo que Jenny não acorda e o desespero toma conta de mim. - O que diabos você fez com ela seu inútil?! - eu grito dessa vez mais alto enquanto ele se levanta em um salto.

- Eu… - ele diz atordoado.

- Ela está morta, seu desgraçado! - grito mais uma vez e lágrimas descem pelo meu rosto quando ele chega perto dela e toma seu pulso, verificando.

Verificando e esperando, enquanto a confusão em seus olhos se dissipa lentamente, e ele se vira para mim com uma calma letal.

- Parker - ele começa com a voz fria. Ódio contido - quero que me escute bem agora. - eu o olho com raiva - aqui estão as três regras que você precisa seguir se quiser que eu o deixe entrar em um campo de batalha novamente - ele respira fundo - Regra número 1: se você não sabe agir sob pressão e vai ficar chorando sob corpos ao invés de fazer algo útil para com eles, ou melhor, tentar fazer com que os ainda vivos não morram, é melhor se esconder embaixo da cama ao invés de brincar de soldado - abro a boca para protestar mas ele me interrompe - Regra número 2: nunca, em hipótese alguma, falte com respeito ao seu superior, a não ser que queira uma morte não tão limpa e muito dolorosa - eu o olho com indignação - e regra número 3, e preste muita atenção nessa. Nunca, nunca diga que alguém está morto antes de, quem sabe, checar seu pulso. Ela precisa de um curandeiro agora seu imprestável! - ele cospe as últimas palavras e eu me ponho de pé com o susto.

-Consegue voar? - eu pergunto com a voz contida. Brigas mais tarde.

-Consigo - ele resmunga, e com um gesto delicado pega Jenny nos braços - e você? - pergunta sem me olhar.

-Uma criatura quase arrancou minha asa - digo mostrando a ele, e chio de dor por conta do movimento.

Ele me lança um olhar que beira o desprezo, e juro que o escuto murmurar um "fraco", e antes que eu diga algo mais ele me envolve em uma bolha de ar com um gesto da mão, e fico incrédulo com a ironia do momento; porém não tenho tempo de mandar que me solte, pois sem aviso prévio, ele se joga da beirada da montanha, e me leva junto com ele.

 ***


A bolha se dissipa assim que meus pés tocam o chão de um grande quarto. Akira deposita Jenny com uma delicadeza surpreendente em cima de uma enorme cama, e beija sua testa antes de se afastar e se dirigir a mim, o rosto tão abatido que, não fosse pelos momentos anteriores, eu sentiria pena dele.

-Escute - ele diz e fecha os olhos por um segundo - o que eu mais queria agora era poder ficar ali com ela, e não existe nada mais importante no mundo para mim do que ela, e acho que você sabe disso - ele olha nos meus olhos - mas há um mundo inteiro destruído lá fora. A cidade é segura, mas muitas pessoas foram perdidas no campo de batalha, e eu preciso ir agora, para salvar quem ainda pode ser salvo - ele olha para Jenny mais uma vez - fique aqui com ela, e não saia do seu lado. Você não vai ser útil lá agora, mas pode fazer isso. Vou chamar um curandeiro para vocês dois. Há um banheiro anexo ao quarto - ele aponta para uma porta - ajude-a a se lavar quando acordar. Se descer dois lances de escada e virar a direita, vai encontrar a cozinha. - ele me olha de novo - quando ela acordar, diga que eu volto logo. Cuide dela Scott, porque não o posso fazer agora.

Ele espera até que eu assinta com a cabeça para sair porta a fora, e sumir no corredor. Eu me dirijo até uma poltrona ao lado da cama, e, tomando a mão de Jenny, me permito fechar os olhos por alguns minutos, e fingir que nada está acontecendo.

*

Toque de RecolherNơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ