Inocência

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WILL
Os seus braços estão ao redor da minha cintura. Os seus olhos pretos parece que brilham na luz da lua. Ele nunca teve tão belo e tão distante. Eu quero gravar este momento, mesmo que saiba que ele não é real. Este momento nunca seria real.

Foi esses pensamentos que fizeram-me acordar. Saber que aquilo era apenas um sonho foi quase pior do que sentir a distância no seu toque gelado.

A culpa é minha. Eu é que sou demasiado sensível e emocionado para não conseguir seguir em frente. Afinal, só foi o meu primeiro amor. Algo que começou tão rápido devia acabar dessa forma também.

No entanto, o meu primeiro amor durou imensos anos.

Começou da forma mais linda que poderia ter começado. Tínhamos 7 anos e estávamos rodeados de outras crianças, mas Nico era especial. Ele era a única pessoa com quem eu queria dividir o meu lanche.

Era tão inocente.

Eu não tinha coragem de chegar perto dele. Pensava que ele poderia me odiar, por essa razão apenas observava de longe. Isso até ao dia em que a professora nos meteu juntos a resolver contas de somar. A dupla que terminasse primeiro podia ir para o intervalo mais cedo, eu e o Nico esforçamo-nos imenso e conseguimos ser os mais rápidos.

Quando eu fui pegar o meu lanche ele já tinha ido embora, mas num ato de coragem fui atrás dele. Ele estava sentado por baixo de uma árvore com flores rosa.

Eu peguei no saco que tinha alguns chocolates e cheguei perto dele.

- Queres um?

Nico assustou-se com a minha fala mas sorriu para o meu saco e assentiu.

- Eu queria trazer gomas, mas não consegui fazê-las. Sabias que gomas normais são feitas com restos de carne, que horror! Eu tentei fazer umas diferentes em casa, mas não ficaram boas.

- Não gostas de carne?

- Não como carne, nem peixe, nem marisco, nem outro animal.

- A sério? - Perguntou com uma expressão estranha porém divertida.

- Sim, a sério. O que estás a fazer?

- Vou organizar as minhas cartas de Mitomagia.

Nico estava sempre sozinho ou com a irmã mais velha. Isso deixava-me triste, principalmente porque queria estar perto dele. As outras crianças afastavam-se, sempre diziam que as roupas totalmente pretas do Nico assustavam. Eu achava as roupas encantadoras, eu achava tudo no Nico encantador.

- O que é Mitomagia?

- É um jogo sobre Deuses Gregos.

- Deuses Gregos? - Perguntei acanhado por nunca ter ouvido tal coisa.

- Sim. Como Zeus, Poseidon. Hades, Afrodite, Apolo...

- Hey, Apolo é o nome do meu pai. - Disse feliz.

- O meu pai também tem o nome de um Deus Grego, Hades.

A partir daquele dia tornámo-nos melhores amigos. Criámos o clube dos filhos dos Deuses Gregos e éramos os unicos integrantes. Ele ensinou-me a jogar Mitomagia.

Começamos a associar as nossas características físicas com os deuses, era algo engraçado.

Foi aos 8 anos que a nossa amizade evoluiu de um jeito estranho mas completamente fofo, na minha opinião.

Eu fui dormir a casa do Nico. Iria ser a primeira vez que dormiria longe dos meus pais e estava nervoso. Levei o Senhor Bunny, o meu coelho de peluche, para ser mais confortável. Maria preparou a comida de propósito para eu poder comer e eu senti-me muito feliz com isso. Eu e o Nico, como meninos grandes que éramos, ajudámos a arrumar a loiça.

Eu tinha um pouco de medo de Hades, mas antes de irmos para a cama ele meteu-me nos seus ombros e eu fiquei tão alto que parei de ter medo dele. Afinal, ele era divertido.

Maria e Hades meteram um colchão ao lado da cama de Nico para eu poder dormir. Na primeira meia hora ficámos a falar do filme que tínhamos visto durante a tarde, mas entretanto o Nico adormeceu.

Agarrei-me ao Bunny com toda a minha força e fechei os olhos mas não conseguia dormir. Estava assustado.

- Nico, estás acordado? - Ele não respondeu. Levantei-me no colchão e comecei a mexer no seu braço. - Nico! Nico!

- Que foi, Sunshine?

- Não consigo dormir. Está escuro.

A minha voz estava a sair fraca pelo choro que ameaçava sair. Nico sempre odiou ver-me chorar.

- Anda para aqui, eu vou te abraçar e assim sabes que não estás sozinho.

Eu peguei no Bunny e na minha almofada e fui para dentro dos lençóis quentes do Nico. Ele abraçou-me e quando foi beijar a minha bochecha para dizer "Boa Noite", eu virei a cara e o beijo ocorreu nos lábios. Eu sempre via os meus pais a fazerem aquilo, mas eu nunca tinha feito. Apenas sabia que isso acontecia quando as pessoas gostavam muito uma da outra. Claro que não é realmente assim, mas na altura era o que eu acreditava.

Nico sorriu após o ocorrido e eu não pude evitar sorrir também. Afinal, sempre quis perguntar se ele queria ser o meu namoradinho. Naquela altura, nem sabia o peso disso.

- Boa noite, Will.

- Boa noite, Nico.

Na manhã seguinte, esse pequeno beijo voltou a ocorrer. Sempre que eu dormia em casa de Nico, ou vice-versa, isso acontecia.

Sempre que estávamos por baixo da pequena árvore as nossas mãos entrelaçavam-se e foi Nico que pediu-me em namoro. Foi tão fofo, ele comprou um saco de gomas vegan para poder pedir, eu fiquei tão feliz.

A partir desse dia eu e Nico continuámos juntos. Dos sete aos onze nós eramos essencialmente melhores amigos. Mas o real facto é que namorámos desde os 9 até... Bem, eu não sei até quando, porque nunca terminámos.

Nós aos doze anos começamos a dizer que aquilo era algo de crianças, mas nenhum tinha coragem de terminar. Então começamos a namorar oficialmente. Até o beijo ficou diferente. E dos 12 aos 14 os beijos evoluíram consideravelmente. Os nossos pais já sabiam e apoiavam, só tentaram nos proibir de dormir juntos. Apenas tentaram, porque nunca conseguiram. Nico não conseguia adormecer com luz, eu não conseguia adormecer no escuro sem estar nos braços de alguém. Moral da história, tínhamos de dormir juntos, era regra.

Foi no final dos meus 14 anos que o meu pai foi transferido de posto. Tivemos de nos mudar com certa urgência. Eu chorei agarrado a Nico por ter de me mudar para um sítio tão longe. Por um tempo, tentámos manter o contacto. Dissemos que conseguíamos aguentar a distância. Falávamos todos os dias.

Até o Nico parar de ligar.

Até o Nico parar de atender.

E o facto é que ele nunca terminou de facto, nem nunca atendeu para eu poder terminar. Não é que eu fosse fazer isso. Mas queria ter essa escolha.

Agora aos dezoito, faz 3 anos que não oiço a sua bela voz. Faz três anos que não jogamos mitomagia.

Nós até juntámos diversas musicas de um cantor que gostamos para tentar ultrapassar a distância. Não fazia grande efeito, mas eu ainda amo a sua voz enquanto canta.

O problema maior disto tudo é que não falo com o Nico desde os 15 anos e nunca mais consegui envolver-me com ninguém.

Eu sou emocionado, sou demasiado sensível. Mas sinto que estou a traí-lo.

Ele deve ter encontrado outra pessoa.

Ele deve ter começado a odiar-me...

What If I Told You That I Love You // SolangeloWhere stories live. Discover now