Capítulo 8

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Aviso: Essa obra de ficção contém cenas incômodas envolvendo abuso psicológico e gaslighting parental.

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A noite estava sendo turbulenta para Gaspard.

Não que ele estivesse com insônia, mas seu sono definitivamente estava longe de ser tranquilo. A Romaine do festival parecia ter destrancado uma porta secreta em sua alma, liberando pensamentos abandonados há muitos anos. Deitado em sua cama, mais memórias da irmã surgiram, algumas há muito esquecidas.

Onde elas estavam se escondendo até então? Será que ouvir o nome de Marianne saindo da boca da dançarina tinha sido alguma espécie de encantamento?

Passando a mão em seus cabelos desgrenhados, Gaspard sorriu amargamente ao se dar conta da própria imaginação. Romaines poderiam ter seus truques, suas crenças e superstições, mas todos os feitiços tinham sido perdidos nas areias dos tempos. Forçando-se a parar de pensar sobre essas coisas sem sentido, Gaspard revirou-se novamente em sua cama, conseguindo adormecer somente um pouco antes do dia nascer, quando um estranho sonho o fez voltar a questionar se encantamentos tinham deixado de existir de fato.

No início, parecia mais uma memória do que um sonho: Gaspard estava no festival da primavera com Mylène, assistindo às apresentações, como no dia anterior. Tudo se transformou quando a dançarina entrou em cena. A música lenta e sensual seguida de sua entrada dramática com a fumaça misteriosa eram as mesmas de suas recordações, mas diferente do que acontecera na realidade, Gaspard não estava mais em meio a multidão ou com a noiva ao seu lado. Não, agora ele se via sozinho na praça.

A dançarina continuou a executar seus passos hipnotizantes, como se nada estranho estivesse acontecendo. Até que seu olhar encontrou o de Gaspard e, sem aviso, seus movimentos mudaram e ela se aproximou lentamente, sempre no ritmo da canção.

Observando um pouco mais aquela mulher misteriosa, Gaspard finalmente se rendeu, admitindo a beleza da Romaine. Com sua pele brilhando como ouro queimado, seus cabelos volumosos e cacheados, seus lábios cheios e carnudos, e seus olhos de lince num tom de mel, sem dúvida, ela era uma mulher bonita. E, pela primeira vez, ele se permitiu reparar nas curvas da dançarina. Sua cintura era fina, o que realçava seu busto cheio e parecia um lugar perfeito para entrelaçar as próprias mãos.

Seus pensamentos fizeram com que Gaspard sentisse vergonha de si mesmo. Nunca fora o tipo de homem que se importava com as necessidades da carne. Suas prioridades sempre foram outras, recuperar o nome de sua família sendo a maior entre elas. Ao ponderar sobre seu objetivo principal, pensou em Mylène de imediato e seu constrangimento aumentou mais. Ele era um honrado homem Beau e pretendia continuar com essa postura.

Ainda assim, era difícil manter os próprios valores com a dançarina à sua frente, mexendo seus quadris daquele jeito fascinante. Gaspard não acreditava que sua mente o traíra daquela maneira.

A música acabou e agora não havia nem palco ou praça, eram apenas Gaspard e a dançarina, um de frente para o outro. A proximidade entre eles trazia uma intimidade que deixou o capitão desconcertado. Ela sorriu e, abrindo os lábios, disse:

— Por Kali, os olhos realmente são cinzentos iguais aos da Marianne.

Com o coração acelerado, Gaspard imediatamente despertou. O tom sedutor que a dançarina usara apenas no sonho não saia de sua cabeça. Era um delírio escandaloso.

Todo aquele sonho tinha sido escandaloso.

Ansiava tanto encontrar a dançarina e ter notícias da sua irmã que seu inconsciente lhe pregara uma peça.

As Incertezas da FortunaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora