Capítulo 5

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Aviso: Essa obra de ficção contém cenas incômodas envolvendo abuso psicológico e gaslighting parental.

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Mylène ainda estava um pouco zonza com tudo que havia acontecido: a explosão, Gaspard em choque, a revelação sobre Marianne...

A tarde no festival da primavera fora inesperada, inusitada e certamente os acontecimentos do evento passaram longe das expectativas que tinha, mas ainda assim, ela se sentia contente.

Claro que, como uma cidadã consciente, Mylène estava preocupada com os estragos da explosão — mas também torcia para que De la Source não fosse capturado, pois admirava secretamente seu trabalho. E, como um ser humano decente e uma praticante das artes medicinais — mesmo que na surdina — esperava que ninguém estivesse ferido. Porém não conseguia esquecer o abraço final entre ela e Gaspard... Aquele abraço tinha sido a cereja no topo do bolo, uma cura para a sua alma inquieta.

Talvez ela nunca fosse ser inteiramente feliz ao lado de Gaspard, mas a conexão entre eles e a segurança que ele passava a levariam para uma vida boa. Afinal, o contrato por conveniência entre eles se tornara uma verdadeira amizade quase sem que percebessem. Uma relação tranquila com um marido que a respeitava, a mãe saudável, o estudo, o título de marquesa e duas crianças lindas com olhos cinzentos correndo pela casa. O que mais poderia desejar?

Mylène fechou os olhos por um instante e buscou a vozinha que sempre lhe trazia dúvida. Nada, nenhum pio. Naquela noite ela dormiria em paz.

Outra voz, entretanto, interrompeu seus pensamentos:

— Chegamos, senhorita! — Anton avisou.

— Ah, claro! — ela abriu os olhos e tentou se situar.

Mylène estivera tão absorta em seus pensamentos que nem percebeu que o balanço da carruagem se suavizara, finalmente chegando ao seu destino. Ela baixou da carruagem dos Orléans com o auxílio de Anton e agradeceu ao cocheiro, observando os funcionários da família Dupain que já estavam em frente à casa para recepcioná-la.

Sempre se sentia desconfortável quando todos os criados paravam tudo apenas para recebê-la e os dispensou rapidamente após pedir para que Laila preparasse seu banho. Mas primeiro deveria passar no escritório do pai para dar um breve resumo do encontro com o noivo, como de costume. Durante o curto caminho, Mylène refletiu sobre o que falaria para Hugo Dupain com cuidado. Sabia que as palavras certas poderiam lhe garantir a permissão para ver a mãe e não podia se dar ao luxo de errar.

O escritório de seu pai ficava depois da sala de visitas e da de reuniões. Seguindo pelo corredor à direita da entrada da casa, Mylène parou na frente das portas pesadas de madeira que dariam direto ao escritório do pai. Antes de bater à porta, fechou os olhos mais uma vez e respirou profundamente.

O alívio das angústias que sentia em relação à sua vida com Gaspard era evidente, entretanto diminuía a cada segundo que ela encarava aquela porta e se lembrava que ainda precisaria conviver com o pai por mais um mês atuando como a filha perfeita e obediente.

Puxando um pouco mais de ar pela boca, Mylène se consolou. Faltava pouco. Valeria a pena. Tinha que valer.

Novamente de olhos abertos e mais centrada, ela se sentiu pronta para encarar o seu carrasco particular. Obstinada, estava prestes a pedir permissão para entrar com uma batida na madeira quando alguém a surpreendeu, abrindo a porta abruptamente.

— Ah, boa tarde, senhorita Dupain! — um homem conhecido a cumprimentou sorrindo de orelha a orelha.

Era o Senhor Verry, um dos parceiros comerciais de seu pai, e Mylène nunca o vira sem uma carranca. Seu estranho bom humor fez com que ela sentisse um arrepio na espinha, sensação intensificada pois era um homem de dentes amarelados e sujos em um rosto pálido, sem nenhum sinal de saúde.

As Incertezas da FortunaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora