3. Quebrado

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Eu já havia recebido muitas detenções com o professor Snape e, em circunstâncias normais, isso não me assustaria. Dessa vez, porém, era diferente, porque, pela primeira vez, eu me arrependi de ter dito algo. Não sei se foi pela maneira como seu corpo reagiu, ou pela dor que vi em seus olhos, mas o sentimento de culpa me consumiu pelo resto do dia.

Ele terminou a aula como se nada tivesse acontecido, como o homem inabalável que sempre aparentou ser. O resto da turma parecia não ter notado nada, o que me fez questionar se eu havia me enganado por algum momento. Mas, como?

Eu o observei tão bem, além do seu corpo. Não só parecia que eu era capaz de ver cada parte dele sendo quebrada, como também pude sentir os pedaços me machucarem.

Fiquei quieta durante o almoço, repetindo a cena inúmeras vezes em meus pensamentos, e procurando por algo que me convencesse do contrário. Decidi olhar para a mesa dos professores em busca de qualquer sinal que pudesse me indicar que estava tudo bem, mas, para minha surpresa, Snape estava ausente.

O resto do dia passou rapidamente, visto que não prestei atenção em nenhum acontecimento. Durante as aulas, eu me pegava pensando no fato de que teria que enfrentá-lo mais tarde. Eu ainda estava incerta sobre tudo, até porque poderia ser facilmente alguma invenção da minha mente. Porém, toda vez que eu lembrava do que vi em seus olhos, o mesmo sentimento retornava. Não era medo do homem, era preocupação, principalmente por achar que poderia ser culpa minha.

Durante o jantar, assim como no almoço, eu não o vi na mesa dos professores. Minha fome passou parcialmente e, por alguns instantes, eu fiquei olhando fixamente para o local na esperança de que ele aparecesse e seguisse sua rotina normalmente. Eu queria que tudo estivesse bem e que, de fato, não tivesse passado de um engano.

- Você está bem? - Hermione sussurrou, tentando não me assustar desta vez

- Ah, sim. - olhei para ela e, depois de pensar por alguns segundos, decidi fazer um pequeno teste - Você sabe se o professor Snape está bem? Quero dizer... Ele não apareceu para nenhuma refeição após as aulas da manhã.

- Eu não tinha notado. - ela respondeu, confusa sobre minha preocupação repentina por alguém que eu nunca pareci gostar - Por que isso agora?

- Apenas... curiosidade - tentei parecer o mais indiferente possível

- Ele é uma pessoa confusa, você sabe - ela deu de ombros

- Certamente, ele é - voltei a olhar para a mesa mas desisti assim que percebi que ele não apareceria

Após o fim do jantar, segui o caminho até a comunal da Corvinal. Depois de entrar e subir as escadas até o dormitório, não pensei duas vezes antes de me jogar na cama e me afogar nos mesmos pensamentos que me consumiram o dia todo.

Eu poderia estar parecendo uma garotinha dramática, mas, porra! Eu passei por muita coisa. Nós passamos por muita coisa. Não poderíamos simplesmente sair por aí agindo como os mesmos idiotas de sempre. Não sabíamos as guerras que cada um enfrentava dentro de si, e tudo que eu soube sobre o professor Snape após a batalha apenas fortaleceu esse pensamento. Quem era eu para afirmar que ele possivelmente não perdera alguém que amava ou até mesmo cogitar a possibilidade do homem ser incapaz de amar alguém?

A detenção estava cada vez mais próxima e eu não poderia estar mais preocupada. O que eu deveria fazer? Me desculpar seria o certo, logicamente, mas como eu o faria? Olhei para o relógio e praticamente pulei da cama quando vi a hora.

Eu não posso me atrasar, porra! Ele já me odeia o suficiente.

Eu praguejava baixinho enquanto corria pelo dormitório para me ajeitar e pegar minhas coisas o mais rápido possível. Saí correndo do lugar, passando pelos corredores e descendo cada escada até o frio das masmorras tomar conta de cada parte do meu corpo.

Andei mais um pouco até ficar de frente à grande porta que, naquele momento, era a única coisa que nos separava. O nervosismo me atingiu e eu realmente pensei na possibilidade de apenas fugir. Porém, eu precisava vê-lo e, de alguma forma, falar com ele.

Hesitante, levantei o braço e bati levemente na porta. Foram apenas duas pequenas batidas até que ela abrisse e me deixasse com a visão de uma sala de aula vazia, além do meu professor que estava corrigindo papéis em sua mesa. Ele sequer olhou para mim.

Comecei a andar devagar pela sala, me assustando quando ouvi o estrondo da grande porta sendo fechada atrás de mim. Antes que eu pudesse me aproximar totalmente, ele apontou para uma pilha de caldeirões sujos em cima de uma mesa e alguns materiais de limpeza. Trabalho escravo, lógico.

Eu o olhei por alguns segundos e sua postura estava inabalável. Ele não ergueu a cabeça ou falou comigo em momento algum. Caminhei até a mesa, ficando de costas para ele e começando a trabalhar.

Eu costumava reclamar e irritá-lo durante meus momentos de detenção, mas não era um dia adequado para aquilo. Meu silêncio era o melhor que eu podia oferecê-lo. Isso até eu pensar no que seria conveniente dizer.

Eu estava ensaiando tantos roteiros e escolhendo minhas palavras com tanto cuidado que não percebi que tinha limpado o último caldeirão. Eu os organizei e um suspiro escapou dos meus lábios quando percebi que a hora havia chegado. Eu tinha que falar com ele e consertar aquilo.

Me virei para encará-lo, quase pronunciando as primeiras palavras. Minha boca fechou na mesma hora. Ele não estava lá.

Ele reclamava quando eu chegava, discutíamos durante a detenção, ele colocava inúmeros defeitos no meu trabalho, ele caminhava comigo até a porta... Ele sempre esteve lá, do início ao fim.

Eu, de fato, havia o magoado. E nunca pensei que seu silêncio fosse me incomodar tanto.

𝑭𝒊𝒙 𝒀𝒐𝒖 | Severus SnapeWhere stories live. Discover now