Capítulo 35: Klaus

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Se eu tivesse que colocar uma nota classificatória no meu dia hoje, seria três. E com grandes chances de chegar ao zero, caso as coisas em casa estivessem complicadas novamente.

Estávamos na metade de janeiro, quando o calor era quase sufocante em Esperança. Eu suava bastante na moto em direção a minha casa, não muito diferente de dez minutos atrás, quando ainda estava no trabalho. O lugar era a verdadeira definição de inferno, e em muitos sentidos.

Não foi difícil arranjar um emprego. Cidade pequena era bom quando se tratava de solidariedade. Em pouco tempo todo mundo já sabia sobre o bebê e o que tinha acontecido com Lorena e o pai dela. É claro que a polícia conseguiu camuflar os detalhes, mas não todos. Os empregos jorraram em cima de mim assim que eu sai para procurá-los. Nada que realmente eu tenha gostado, então escolhi aquele que pagava melhor, mesmo que ficasse o dia inteiro em pé na frente de um caixa de supermercado ouvindo velho reclamar e criança chorar. Aprendi sobre a célebre frase de "o cliente tem sempre razão" da pior forma possível, e quase fui demitido por causa disso. Mais de uma vez.

Claro que o dinheiro estava dando para nos manter, e isso com o meu pai se negando a comprar qualquer coisa que fosse para a casa. Pagava as contas de água, luz e telefone, o resto era comigo.

Tinha pouco mais de um mês que Lorena tinha vindo morar conosco. Ela se esforçava para agradar meu pai, e eu tinha surtos histéricos quando a pegava esfregando o chão do banheiro com uma escova minúscula, ou cuidando das plantas no quintal de casa. Meus gritos não faziam com que ela desistisse de tentar de tudo para arrancar um sorriso do delegado, e ele nunca facilitava. Era intragável com ela.

A única coisa que o delegado fazia era ser educado e nunca deixava de usar os três termos mágicos da boa convivência – com licença, por favor e obrigada. Mas aparentemente não era suficiente para Lorena, que se isolava todas as vezes que ele estava em casa. Em contrapartida o delegado aprendeu a ficar mais tempo na delegacia do que eu sabia que precisava. Eu ficava no meio dos dois tentando ser apaziguador, mas não funcionava, e estava me matando ver as duas pessoas que eu mais amava no mundo naquela guerra fria inútil.

Não podia dizer que estava infeliz. Ter Loren em casa era um suspiro de vida. Mas ver o meu pai se escondendo de mim era terrível. Falávamos o essencial um com o outro, e isso quando ele estava em um bom dia. Na maioria das vezes batia a porta do quarto ou do escritório e só saia de lá quando achava que eu e Lorena tínhamos dormido.

O pior momento foi quando Adônis chegou na minha casa com um berço simplesmente incrível. Meu pai começou a brigar com os montadores para que eles tivessem cuidado na escada, para não destruir a parede. E como ele nunca reclamou de nada caindo aos pedaços na casa, eu logo soube que era raiva por finalmente o neto estar começando a tomar forma na sua vida. Daí Adônis tentou acalmá-lo, com aquele jeito engraçado de ser, e tinha funcionado ao contrário. O delegado gritou com ele e o mandou para um lugar bem feio. Adônis respirou fundo e se virou para mim e Lorena com um sorriso mentiroso, mas convincente no rosto. Ele era melhor do que eu nessa coisa de esconder a tristeza e decepção.

Adônis abusava do seu status de padrinho, e em um mês Lorena tinha praticamente montado todo o enxoval do bebê. Sabia que Adônis estava tentando compensar o fato de eu não ter aceitado o emprego que ele quis me oferecer, ou o apartamento. Eu não dizia a ele que as coisas estavam financeiramente apertadas ali em casa, agora que meu pai tinha jogado nas minhas costas a responsabilidade de alimentar três bocas sozinho, mas estavam e eu julgava que Lorena comentava isso com Adônis. Ele e Samuel tinham mais tempo de estar com ela do que eu, e faziam bastante isso, a levando para nadar no rio e ao médico, já que eu estava no meu primeiro mês de trabalho e não queria faltar.

A Mais Bela MelodiaWhere stories live. Discover now