Capítulo 13: Klaus

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Esperança era uma dessas cidades que você facilmente confundiria com uma de filme americano. Ruas arborizadas e casas para lá de limpas. A lei aqui era rigorosa sobre lixo, e as pessoas dificilmente colocavam cercas ou muros em suas casas, a não ser que fosse por puro adorno.

A colonização europeia do sul no Brasil trouxe muito dos costumes lá de fora, e um deles era a organização simétrica dos quarteirões perfeitos e bem divididos. Ou seja, Esperança era o lugar para onde se corria quando o resto do país estava à beira da loucura.

Contudo não era a cidade em si que me impressionava ao ponto de me fazer babar. Eram os campos de vinho, e os eucaliptos visíveis nos pontos mais altos, como a torre da prefeitura e a igreja católica. Eram os rios, lagos e o pôr do sol multicolorido. Mas, sobretudo era um ponto específico dentro de um pequeno condensado de árvores que se estendia da estrada até a beira do rio. Ali era meu paraíso pessoal.

Tão perto do rio que dava para ouvir a água correr em um dia silencioso. Dava para sentir os peixes se movimentarem em seus caminhos sinuosos e tranquilos sob o sol perfeito daquela parte do país. Se eu fechasse os olhos por muito tempo, era capaz até de ouvir o farfalhar na grama dos passos de Tom Sawyer aprontando suas travessuras, mesmo que aqui não fosse o Mississippi.

Foi ali, alguns séculos atrás, que alguém plantou certa árvore. E era aquela árvore que me transportava para qualquer lugar do mundo simplesmente por existir próximo a mim. Radiante, reluzente, vibrante e todo e qualquer adjetivo fabuloso que pudesse se adequar a ela.

Era antiga. De acordo com meu pai, provavelmente tinha uns duzentos anos. O tronco era forte e escuro. As raízes se projetavam para todos os lados, dando um tom sombrio para quem a fitava do chão, formando sulcos onde eu costumava deitar e dormir, como se fosse um berço.

Os galhos eram longos e quase sempre carregados de folhas, as mais vermelhas que já vi na vida. Podia ser outono, ou a primavera, as folhas eram sempre vermelhas. Quando o sol resolvia ir embora, em cima do rio Toquin, as folhas ficavam alaranjadas em uma mistura de brilhos que jamais verei em qualquer conjunto de aquarela que Tom Jobim pudesse pintar em uma canção.

Estávamos naquele momento deitados em um único sulco da árvore. Adônis tinha trazido um baseado já enrolado. Não sabia quem fornecia a maconha para ele, mas sempre ficava contente quando chegava com pequenos pacotes para a gente. Depois do dia do ginásio eu tinha me livrado de todo o bagulho que tinha no meu quarto, e Samuel nunca guardaria nada na casa dele, então Adônis era o nosso cofre.

Não dava para ver fadas verdes com aquele negócio, mas sempre foi uma forma engraçada de rir de qualquer coisa e esquecer toda a merda que se passava ao nosso redor. Adônis era o príncipe das uvas de Esperança, quiçá de todo o país. Ainda assim vivia o mais longe possível dos pais porque não suportava ter que se comportar como o deus grego que eles queriam.

O sonho dele era viajar pelo mundo, transar com a maior quantidade de garotas que pudesse e ficar bêbado e louco até gastar todo o dinheiro dos Narcole e poder morrer de overdose em paz.

Já Samuel teve um pai que morreu em um acidente feio de carro, por isso a mãe era super protetora com ele. Não podia comer sem passar álcool em gel nas mãos, e usar banheiro público só se levasse um assento higiênico. Tinha pena dele porque esses cuidados da mãe podavam tudo o que ele queria ser: Exatamente como nós. Acredito que esse era o motivo dele ficar bêbado e doidão conosco. Nunca achei que Samuel gostasse realmente dessas coisas, mas sabia que ele curtia demais a rebeldia e a fuga que a gente era capaz de proporcionar.

E para completar tinha eu, o cara que havia sido trocado por uma guitarra elétrica. Que ficou com o pai, que tinha se tornado tão frio depois que a esposa foi embora, que simplesmente não sabia demonstrar qualquer sentimento bom que fosse. Eu tinha certeza de que ele ainda esperava minha mãe abrir a porta de casa dizendo que queria voltar.

A Mais Bela MelodiaWhere stories live. Discover now