Capítulo 23: Klaus

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Já ouviram falar que cidade pequena tem muita festa? É a mais pura verdade.

Nós temos festas normais quando as pessoas casam, nascem, passam no vestibular ou ganham uma promoção no trabalho. Mas também temos festas se uma criança aprendeu a andar, ou uma loja nova de café abre, ou ainda quando alguém morre de causas naturais. Tudo é motivo para vodca e risada em Esperança, e não poderia ser diferente quando nossa maior fonte de renda está pronta para ser colhida: As uvas.

O dia do Festival mal chegara e meu pai já tinha sido chamado três vezes por conta de arruaceiros que estavam fazendo bagunça nas barracas arrumadas no centro da cidade. Todas as grandes festas aconteciam no centro de Esperança, e quando passei por lá perto de meia-noite – hora que Gustavo liberou todo mundo – ainda tinham funcionários da prefeitura prendendo faixas e terminando barracas. A polícia estava em completo estado de alerta, e o pai de Adônis, maior patrocinador do Festival, tinha contratado cerca de cinquenta seguranças particulares para auxiliar a polícia local. Meu pai tinha tomado aquilo como uma afronta, mas quando começaram a acorda-lo de madrugada para resolver problemas pequenos, ele começou a praguejar que os seguranças não chegavam nunca. Então naquela manhã, quando os seguranças finalmente começaram a chegar, ele veio para casa na intenção de tomar café. Tinha olheiras embaixo dos olhos e o cabelo emaranhado. Era engraçado vê-lo assim, e precisei de muita força de vontade para não rir quando ele se sentou e o pé da cadeira cedeu, derrubando-o no chão.

— Eu falei para o senhor que essa cadeira estava quebrada. — Coloquei a xícara de café em frente à boca para cobrir o riso.

— Essa merda... — Ele levantou num pulo, pegou os restos da cadeira e jogou pela porta do quintal. — Já devia ter colocado fora antes.

Jogou-se em outra cadeira e serviu uma xícara para ele. Ficou olhando o copo com um distanciamento bem característico.

— Está tudo bem, pai?

— Só cansaço, e ainda são sete da manhã. Se eu morrer antes que acabe o dia, lembre que meu testamento está na gaveta da escrivaninha.

— O senhor deveria ter aceitado a folga de ontem. — Resmunguei mordendo um pedaço de pão.

— E deixar Neuza sem Charles para preparar as tortas? Nem pensar! Você sabe que as tortas são a atração culinária principal do Festival.

Realmente a esposa de Charles fazia as melhores tortas das redondezas. Quase tão boas quanto às de minha tia. Como se adivinhasse o meu pensamento, meu pai perguntou:

— Fernanda ligou para você?

Balancei a cabeça em negativa.

Tive que dizer ao meu pai da ligação que ela fez me contando de Laura. Ele ficou furioso e telefonou para ela xingando tanto nome feio que me assustei. Ele não era desses. Mas saber que a prima conspirava pelas suas costas, havia sido o estopim para meu pai explodir por conta daquela história toda com Laura e Valentim.

Eu sabia que uma pessoa não podia ser tão calma o tempo inteiro, e vê-lo ter uma crise com Nanda, invés de com o casal de fujões, doeu meu coração como todo o resto não tinha conseguido fazer ainda. Senti-me culpado e triste. Queria que ele tivesse tido a coragem de fazer o que fiz e confrontar Laura de frente, mas ele não tinha tido, e alguma coisa no meu coração dizia que era na intenção de me poupar.

Meu pai continuou a comer calado e depois de algum tempo, praguejou de novo e bateu na mesa com força.

— Esqueci-me da casa na colina! — Ele falou e eu sorri.

Uma senhora, de quem meu pai cuidara na velhice, tinha deixado a casa dela para ele em testamento antes de morrer. Ela não tinha filhos nem parente algum, mesmo distante, então a prefeita não conseguiu ganhar essa casa na justiça e coloca-la como patrimônio do município, como ela queria. O juiz foi a favor de meu pai.

A Mais Bela MelodiaWhere stories live. Discover now