Eu só quero acordar

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Você volta para uma cidade onde morou e encontra parte dela, incluindo sua antiga casa, destruída. Ao entrar na sua casa, você se lembra de coisas que simplesmente não estavam na sua cabeça antes. E então, para completar o quadro um velho aparece e diz que é o seu “criador”. Como você reagiria a essa situação? Como é que alguém deveria reagir a uma situação como essa? Eu só conseguia me segurar, porque se eu não fizesse isso ia começar a gritar bem ali.

— Do que você está falando? – eu disse. – “Criador”? Que tipo de brincadeira idiota é essa?

A cara do velho não mudava não importava o que eu dissesse. Era quase como se ele esperasse aquilo.

 — Se quer saber, venha comigo – ele disse. – Vocês dois podem vir também, se quiserem.

Ele deu as costas e foi caminhando para a saída.

Droga!

— Espera! – eu gritei. – Fala agora!

— Esquece – Lavínia falou. – Esses tipos não abrem a boca se você não faz o que eles querem. Essa pose toda de vilão é um pé-no-saco.

— Ela está certa – Daniel disse. – Melhor a gente ir com ele.

Não…

— Vocês não estão levando isso a sério, né? – eu disse. – Essa coisa toda de que eu fui criada não faz sentido, né? Né?

Nenhum dos dois disse nada. Minha mão buscou o colar e o apertou com força.

Eu não consigo entender mais nada.

Daniel parou à minha frente, me olhando com uma seriedade que doía.

Por favor, só dessa vez, não fala nada.

— A gente tem que ir – ele falou.

Eu sorri quase chorando.

— Você é cruel – falei.

— Eu sinto muito.

— Não diz isso, por favor.

Esfreguei meus olhos e tentei respirar. Era difícil. O ar não passava direito pela garganta, nem mais nada. Só então eu entendia o peso do que eu tinha dito antes.

— Vamos lá – eu falei.

Segui junto com Daniel e Lavínia para fora da casa, atrás do homem velho. Seguindo ele, acabamos entrando pela mata que cercava a cidade por um projeto de trilha que parecia não ser usado há anos. Perto de uma cortina de cipós, ele encostou a bengala numa árvore e disse alguma coisa. Uma brisa passou ao redor, chacoalhando as copas das árvores. De cima, junto à luz que passava pelos galhos, caíram folhas e o grunhido de algum animal estranho.

— Podemos entrar agora – o velho disse.

Ele atravessou a cortina de cipós, desaparecendo do outro lado. Eu, Daniel e Lavínia nos entreolhamos antes de acompanhar o homem. Acho que até para eles era uma situação estranha. Daniel foi andando na frente, eu segui de perto e Lavínia veio por último.

E do outro lado, não tinha nada do que eu esperava.

Como?

O que tinha era uma clareira e no meio da clareira uma cabana de madeira muito grande para estar ali antes. Não tinha como não ver aquilo pelo outro lado, mas, ainda assim, estava ali e eu nem tinha notado. Ouvi o guinchado outra vez.

Olhos grandes.

Um animal estava em cima do telhado da casa. Era como um mico, mas grande demais para ser um, quase do tamanho de uma pessoa, com garras longas demais e um corpo curvado demais.

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