Eu te amo

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Enquanto Daniel e Lavínia ainda estavam ocupados discutindo, eu subi para o quarto em que estava dormindo. Me joguei em cima da cama, de cara no travesseiro, fechei os olhos e tentei não pensar em nada.

Como se fosse conseguir…

A aranha. A cobra. Eu. A águia. O jaguar.

Claro que não ia dar certo. Como eu podia simplesmente agir como se nada estivesse acontecendo quando meu mundo estava desabando?

Não era para ser assim.

Meu celular começou a tocar. Era a veterana de cabelos coloridos. Rejeitei a ligação. Um minuto depois, ela insistiu. Rejeitei de novo, desliguei o celular e atirei ele no chão.

— Me deixa em paz! – eu gritei.

Para quem?

Por que isso tudo está acontecendo comigo? Eu só queria viver em paz…

“Já aconteceu antes”. “A mudança”. “Vai atrás”.

Não conseguia tirar da cabeça o que a aranha tinha dito pelo telefone.

E se…

Não!

Mas, se for…

Não!

Puxei o travesseiro e apertei ele contra a minha cabeça para sufocar os pensamentos.

“Por que mudaram? Sabe dizer?”.

Desisti. Larguei o travesseiro, abri os braços, virei para cima, fiquei olhando para o teto.

O que está acontecendo com você, Emile?

Fechei os olhos.

Eu estava sozinha naquela estação de metrô. Tinha algo lá que eu havia esquecido. Algo meu que eu havia perdido ali. Desci para os trilhos e fui andando para dentro do túnel. Logo, não conseguia enxergar mais nada. Eu estava sozinha no escuro, seguindo em frente em busca de um pedaço de memória perdido. Eu me sentia sozinha, como se o mundo inteiro fosse apenas eu. Mas havia algo na escuridão, deitado, me encarando com olhos que não estavam lá. Meu coração fraquejou. Minha boca se abria tentando puxar o ar que não existia. Eu ouvi o barulho de algo rastejando ao meu redor, se aproximando. Minhas pernas, meus braços, eu estava presa, completamente indefesa e imobilizada. E aí eu ouvi a voz sibilando dentro da minha cabeça.

“Qual o meu nome?”

Acordei. Estava suada, arfando. Olhei para o lado. Não tinha ninguém ali. Respirei fundo.

Esse sonho de novo…

Levantei da cama, pisei com cuidado no chão. Meu tornozelo ainda doía muito. Fui andando até o banheiro. Precisava me limpar, me livrar de todo aquele suor, toda aquela sujeira.

Eu esqueci a toalha.

Não cruzei com ninguém no caminho. As portas dos outros dois quartos estavam fechadas. Fui até a primeira, a lâmpada estava acesa, olhei pelo buraco da fechadura. O pai do Daniel estava lá, falando com alguém pelo telefone. Não conseguia ouvir a conversa, era como se o som parasse ao chegar à porta. De qualquer jeito, não era algo em que eu devesse me meter. Para ser sincera, eu não queria chamar a atenção daquele homem. Mesmo que ele estivesse me ajudando, ele ainda me dava medo. Não eram só os olhos; quero dizer, era principalmente os olhos, mas tinha algo a mais, uma coisa… uma coisa que eu não sabia definir. Eu só queria ficar longe dele. Fui até a porta do outro quarto. Estava escuro lá dentro, não dava para ver nada pelo lado de fora.

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