Você já está morta

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O tal hospital ficava numa rua pouco movimentada no centro, uma dessas ruas laterais, em frente a um posto de gasolina, no meio de vários outros prédios largados às moscas. Não era o tipo de lugar em que alguém pensaria “ei, vou entrar aí” mesmo que não soubesse que uma bruxa morava no lugar. Se soubesse, provavelmente evitaria a rua como um todo.

Bem, isso seria a reação natural.

Saber disso apenas me deixava mais inconformada com o fato de que eu estava fazendo aquilo. Eu podia simplesmente deixar que Daniel e a garota cuidassem disso. Eles iriam atrás de tudo, encontrariam meus pais e ficaria tudo bem.

Não é?

Não, não precisava nem ir tão longe. Eu podia ter simplesmente ficado esperando do lado de fora do hospital e isso já me pouparia uma quantidade significativa de dor de cabeça.

— Vai entrar junto? – foi o que a garota perguntou.

Teria sido simples dizer não, mas eu simplesmente não consegui.

O que está acontecendo com você, Emile?

Adoraria poder responder a essa pergunta, Emile.

Droga.

Era de dia ainda, e claro. Não um desses dias estranhos e nebulosos. Não tinha nenhuma nuvem no céu, mas, ainda assim, parada diante daquele prédio enorme, eu sentia meu peito congelar. A fachada destruída, as pichações, os vidros quebrados…

Não era nada disso.

Um monte de prédios era assim. Eu já tinha entrado em alguns desses. Era outra coisa. Uma sensação bem clara. Talvez fosse o mesmo que um animal sentisse quando vai atrás de comida dentro de uma jaula ou quando entra no território de um predador. É uma certeza onipresente, mórbida de que algo estava prestes a acontecer e eu não poderia ev/itar.

Medo?

— Você pode ir embora se quiser.

A garota disse isso sem nem se dar ao trabalho de olhar para mim. Não tínhamos nem entrado no hospital e ela já agia como se eu fosse algum tipo de covarde.

Convencida.

— Eu me preocupo comigo – eu disse.

— Escuta, isso não é lugar para tentar provar coragem – ela respondeu, enfim se virando para mim. – Se a cadela estiver esperando lá dentro, vai rolar briga. Isso vai ficar perigoso. Então, se você só quer provar que é machinha, é melhor dar meia-volta e esquecer isso.

Quando a garota parou de falar, um sorriso apareceu nela.

— Se bem que dizem que coisas estranhas se atraem – ela disse. – Então acho que faz sentido você querer vir também.

Vaca.

— Escuta aqui – eu disse. – Eu não sou nenhuma aberração, OK? Mas isso tem a ver comigo. É da minha vida e dos meus pais que estamos falando aqui. Não quero saber se é perigoso ou não. Eu vou entrar.

A garota deu de ombros, me olhando como se estivesse acima de mim.

— Como quiser – ela disse. – Mas não espere que eu te salve caso aconteça alguma merda.

— Eu não espero. Agora vamos.

Depois disso, eu e ela fomos direto para dentro do hospital. A porta não estava trancada e nem havia algum tipo de barreira ou sabe lá Deus o que. Na verdade, parecia que tudo tinha sido deixado pronto para que alguém entrasse.

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