Humanos não podem voar

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Era o fim. Eu só conseguia imaginar que aquele era o meu fim. Que eu ia morrer ali, devorada por uma serpente que não devia existir. De todas as mortes que eu conseguia imaginar, essa era provavelmente a mais estranha e cruel.

Eu não quero morrer assim.

Eu não quero morrer.

Eu não quero…

A serpente abaixou a cabeça e me encarou. Ela não tinha olhos, mas eu sabia que ela estava me vendo. Era algo que eu sentia dentro de mim, como agulhas furando minha espinha.

Qual a palavra? Eu não consigo me lembrar, mas tem uma palavra.

Por que eu estou pensando nisso?

A serpente abriu a boca. Eu fechei os olhos.

Eu não precisava ver aquilo. Ao menos esse direito eu podia me dar. Mas se pudesse mesmo desejar uma coisa, se tivesse alguém me ouvindo e eu pudesse gritar alguma coisa, só tinham duas palavras.

Salve-me.

Mas ninguém estava lá para me ouvir. Eu estava sozinha. Por isso fechei os olhos e esperei que tudo acabasse logo. Era tudo que eu podia fazer. Desejar, torcer. Se era para morrer, que pelo menos não doesse.

Qual era a palavra mesmo?

— Meu nome…

Eu pensei ouvir alguém falar comigo, como uma voz lá no fundo na minha cabeça. E era uma voz como uma fotografia de criança.

Quem está aí?

— Qual é o meu nome?

A voz insistiu como se realmente estivesse lá. Mas não tinha ninguém ali. Só eu. Eu e a serpente. Talvez…

Eu abri os olhos. A serpente ainda estava ali, parada, me encarando com seu rosto sem olhos, suas escamas brilhando como se me questionassem. Ela não me atacou. Ela não me matou. Eu estava viva.

— Qual é o meu nome? – a serpente me perguntou.

Uma cobra estava me perguntando qual era seu nome. Uma cobra no meio de uma estação de metrô abandonada estava me perguntando qual era seu nome.

“Decifra-me ou devoro-te”, foi tudo em que eu consegui pensar. Uma esfinge. Mas eu não sabia a resposta. Como eu podia saber? Como eu podia saber como aquela serpente se chamava? Por que tinha uma cobra me perguntando esse tipo de coisa? O que ela queria comigo? O que fazia ela pensar que eu sabia a resposta?

Calma! Eu preciso ficar calma! Calma? Como diabos eu posso ficar calma?

Eu não sabia a resposta. E porque eu deveria saber? O que isso tudo tinha a ver comigo? Isso não faz sentido. Nada disso faz sentido! Por que você está me perguntando isso? Isso não tem nada comigo! Não é problema meu! Você não é problema meu!

— Qual é o meu nome? – a serpente gritou.

A serpente se recolheu e atacou. Corri para longe antes que ela me atingisse. A parede atrás de mim se espatifou. Parte do teto cedeu sobre a serpente. A cauda dela veio contra mim. Eu pulei. Ouvi mais concreto cedendo, tentei correr para longe, atravessar as catracas, subir as escadas, talvez escapar para a rua. A serpente veio atrás de mim, me cercou, esmagou as catracas, se recolheu e deu um bote. Escapei. Não faça ideia de como, mas escapei. Corri. Alguma coisa agarrou minha perna, me puxou para o ar. Quando percebi, estava pendurada de cabeça para baixo, de frente para a serpente.

— Qual é o meu nome?! – a serpente rugiu.

— Eu não sei! – eu gritei de volta. — Eu não sei qual é seu nome!

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