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O relógio marcava 18h20 quando cheguei ao mundo, no final dos anos 80. Era um tempo marcado pela esperança de dias melhores após décadas de um dos piores e mais longos momentos da história do nosso país, os temidos anos da ditadura dos governos militares no Brasil. As marcas da opressão ainda eram presentes, frescas na memória de todos que viveram sob tal opressão. Não havia uma só pessoa nesse país que não tivesse alguém da família ou conhecido vítima das atrocidades dos militares. O temor ainda predominava no território nacional, só que havia uma época em especial que era dada uma espécie de alforria momentânea para a população em geral.

Nasci no período da festa mais popular do Brasil, o carnaval. Um curto período de tempo em que as pessoas se liberam de todas as convenções. Muitos querem festejar, querem alegria, querem viver intensamente tudo o que puderem nesses poucos dias. Sejam amores. Sejam sabores. Sem amarras. Sem regras. Sem obrigações. Sem julgamentos. Naquele, como em outros carnavais, o importante era ser feliz nas ruas, nas praças, nos blocos, nos clubes, nas casas ou em qualquer lugar em que não tivesse alguém para reprimir as ações dos que cantavam, pulavam e dançavam ao som das músicas da folia. Enquanto todos comemoravam o carnaval do lado de fora, no hospital Geral da cidade, eu lutava pela minha vida na UTI neonatal. Eu era para ser de Áries ou Touro, mas quis o destino e uma briga entre meus pais que eu fosse aquariana.

Após uma discussão entre eles, a bolsa da minha mãe se rompeu. Foi correria de um lado para o outro, os vizinhos que tinham carro não estavam nas suas casas. Por causa do feriado carnavalesco, alguns foram festejar e outros buscaram algum refúgio para descansar. Em casa não havia telefone. Celulares ainda eram pesados tijolões pretos que poucos gringos e ricos tinham. O jeito foi meu pai procurar um orelhão para conseguir pedir um táxi. Encontrou um telefone público a quatro quadras de casa, mas para azar dele estava quebrado. O desespero tomou conta de todos. Até que um conhecido da família passou na rua em seu fusca azul celeste.

— A bolsa da mulher estourou, tem como levar ela para o hospital, eu pago a gasolina — pediu meu pai angustiado, ainda com resquícios do álcool no odor da sua fala. — Por favor, cara. A minha filha vai nascer antes do tempo.

— Levo sim, Marcos. Senta a Laura no banco de trás com cuidado. — O conhecido se dispôs a levar minha mãe até a maternidade.

Segundo a minha mãe, havia muita gente bêbada nas ruas, pessoas que cambaleavam e esbarravam no carro durante o percurso, a atenção tinha que ser redobrada. Ao chegar ao hospital outro problema surgiu, minha mãe não tinha dilatação suficiente para o parto normal. Teria que ser realizada uma cesariana. O ginecologista, e obstetra, que fez o pré-natal dela, não estava na cidade. O procedimento foi realizado por um médico plantonista desconhecido e bem às pressas.

Minha mãe foi conduzida ao centro cirúrgico, pouco tempo depois, meu choro baixinho foi ouvido por alguns membros da equipe médica que fez o parto. Ela me viu rapidamente, pois logo fui encaminhada para a UTI neonatal. Conforme contaram os meus pais e alguns familiares, eu cabia na palma da mão do meu pai e tinha quase o mesmo peso de um pacote de feijão.

A Menina do CasuloWhere stories live. Discover now